sábado, 2 de julho de 2022


02 DE JULHO DE 2022
CLAUDIA TAJES

Tribunal semanal

Quatro juízes e uma juíza da Suprema Corte dos Estados Unidos derrubaram na semana passada a lei de 1973 que permitia a prática do aborto no país. Quatro juízes e uma juíza com mais de 50 anos, situação financeira para lá de confortável, uns nomeados por Donald Trump, outros pelos Georges Bushes. Mais distantes dos problemas e das dores de quem se confronta com a necessidade de interromper uma gravidez, impossível.

Será feita a vontade deles. Corta para o Brasil.

Também na semana passada, o caso da menina de Santa Catarina, grávida aos 11 anos por conta de um estupro, movimentou corações e redes. Rapidamente, a Suprema Corte da Internet formou com a juíza que queria que a criança levasse a gestação por mais algumas semanas, embora os riscos todos para a menina. É como se diz: cidadão de bem está sempre preocupado com o feto. Criança em perigo, com fome, com frio, sem casa, sem escola, sem futuro, que se arranje.

A solução que a juíza de Tijucas queria dar ao caso era esperar o nascimento para entregar o bebê para adoção. "A tristeza de vocês é a felicidade de um casal", lacrou ela para a mãe da menina, compulsoriamente afastada da filha e desesperada para interromper a gestação dentro dos instrumentos da lei.

A sensibilidade de advogados e juízes que defenderam o direito da criança foi mais forte que as vontades da juíza, aliás, já promovida e afastada do caso. Mas ficou um amargo na garganta de quem vociferava pela não interrupção: custava esperar mais um pouquinho e entregar o bebê para adoção?

Passam-se uns dias, outro caso estremece a internet.

Uma atriz de 21 anos, também grávida por conta de um estupro, decide levar a gestação até o fim e entregar o bebê para adoção - sonho dos militantes pela vida do parágrafo ao lado. Porque ela é uma pessoa conhecida, a coisa vaza e, depois de o marido de uma enfermeira tentar vender a informação, ela acaba publicada por um colunista especializado em televisão e miséria humana. Uma cidadã de bem, sempre em busca de holofotes, pega carona no assunto para se promover. E pronto. A atriz se vê obrigada a revelar publicamente a sua versão dos fatos, na tentativa de pôr fim ao massacre.

O veredito da internet não demorou a sair. Onde já se viu levar a gestação até o fim e depois passar a criança adiante?

Moral da história: essa história não tem moral. Julgou-se que a menina estuprada de Tijucas devia dar o bebê para adoção, mas da atriz estuprada esperava-se, no mínimo, um belo chá de fraldas nas páginas da Caras.

Depois dos casos acima, os militantes pela vida foram obrigados a abandonar temporariamente suas pregações para fiscalizar as intimidades alheias. Veio o Dia do Orgulho LGBT+ e, se você quiser manter seu bom humor, nunca leia os comentários em matérias com temáticas gays, trans e outras. Ninguém merece.

Uma coisa não se pode negar, os juízes da vida alheia não descansam nunca. Estão sempre na ativa. Até porque, na passiva, eles não gostam.

Vai vendo, Brasil.

CLAUDIA TAJES

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagem em destaque

14 de Setembro de 2024 MARTHA Mar e sombra Entre tantos títulos, cito dois: o magnífico Misericórdia, da portuguesa Lídia Jorge, e Nós, da b...

Postagens mais visitadas