sábado, 2 de março de 2024


02 DE MARÇO DE 2024
J.J. CAMARGO

VAMOS CUIDAR DAS PESSOAS?

Os médicos modernos têm justo orgulho de admitir que sabem mais do que seus antecessores, mas não conseguem evitar o constrangimento ao depararem com pacientes idosos referindo-se, com nostalgia, aos doutores de antigamente.

Como médicos, resta-nos admitir que erramos ao ignorar que toda a tecnologia, que nos orgulha, não modificou o medo do desconhecido e as fantasias de morte dos nossos pacientes, porque essas condições são inerentes à espécie humana.

Minha percepção de que a formação médica estava deficiente foi despertada pela convivência com recém graduados, com excelente formação teórica, cheios de motivação e boa vontade, e que não conseguiam convencer nenhum paciente a aceitar condutas médicas elementares porque, obviamente, lhes faltavam as melhores palavras.

Comecei então a colocar, como último slide em cada aula da graduação, uma situação hipotética da relação médico-paciente. A aceitação dessa oferta pedagógica ficou evidente pelo interesse crescente daqueles que tinham percebido que o médico bem-sucedido que idealizavam não poderia ficar focado unicamente na doença, ignorando o sofrimento de quem tinha adoecido. Esse descontentamento revelado pelo número crescente de queixas e demandas judiciais mostrava que estávamos diante de um paradoxo: sabemos muito mais, mas os pacientes não nos percebem melhores.

Na verdade, os braços longos da tecnologia aumentaram a distância do cuidador, justamente no momento de maior fragilidade emocional de quem devia ser cuidado. Com razão, o paciente não entende que seja considerado um progresso sentir-se transformado numa doença ambulante, despojado de sentimentos, à mercê de aparelhos coloridos e sofisticados que podem encantar os médicos, mas que não despertam nele o estímulo à confidência, à confissão do medo que ameniza a tensão, ou a oferta de um abraço que afrouxa as amarras da solidão.

Assumindo que a humanização era o único caminho para o resgate da dignidade da nossa maravilhosa profissão, decidimos, aproveitando um relacionamento fraterno e profícuo com o grupo Humanidades na Saúde do Hospital Samaritano do Rio, pôr prática um projeto antigo: criar um Curso de Extensão sobre Medicina da Pessoa, contando com o respaldo acadêmico da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), o apoio logístico do Centro de Ensino e Pesquisa da nossa Santa Casa e o patrocínio de Sindicato Médico do RGS (Simers) e Conselho Regional de Medicina (Cremers).

O objetivo é oferecer aos interessados a oportunidade de discussão com professores experientes, os meandros e labirintos da relação médico/paciente, certamente determinante de sucesso profissional neste mundo cada vez mais competitivo.

Em tempos de inteligência artificial, parece óbvio que o médico que melhor souber administrar os sentimentos humanos, mais inalcançável estará em relação ao robô. E desses sentimentos, ignorados nos livros técnicos, nos ocuparemos aqui.

O curso, que se destina a acadêmicos de Medicina e médicos jovens, sente-se lisonjeado com o apoio de 31 das melhores faculdades de Medicina do Brasil, e que na última edição (2023) contou com 906 alunos matriculados. As aulas são ministradas através da plataforma Zoom. O curso é gratuito e será apresentado em 10 sessões mensais, sempre na primeira segunda-feira do mês, de março a dezembro de 2024. Nesta segunda-feira (4/3), às 19h, daremos início à quarta edição. As inscrições e orientações do acesso virtual estarão disponíveis para os alunos através do site oficial: medicinapessoa.com.br. Venha ouvir aqui o que te fará um médico ainda melhor.

J.J. CAMARGO

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