sábado, 8 de junho de 2024


08 DE JUNHO DE 2024
MARCELO RECH

Aterrados

Meu amigo e parceiro de muitas aventuras e desventuras jornalísticas ao redor do mundo, o grande fotógrafo Ricardo Kadão Chaves, foi quem me ensinou a deixar de me exasperar com os perrengues de aeroporto. A fórmula de Kadão para suportar atrasos, voos cancelados, conexões perdidas, malas que não chegam, vai além de respirar fundo. 

Ele usa o aeroporto para fazer tudo aquilo para o que não tem tempo ou que fica postergado no lado de fora: comprar fumo para cachimbo e carga para a caneta, cortar o cabelo, engraxar o sapato, ler um livro. A lista de Kadão poderia incluir também ver pessoas, admirar comportamentos e estudar eficiências ou a falta delas nos serviços de companhias aéreas e do próprio aeroporto.

Na minha lista, se inclui o ato de escrever, o que faço no aeroporto de Amsterdã, no longo caminho de volta para a nossa Porto Alegre sofrida. Em um congresso de mídia do qual participei, compartilhei uma mesa de jantar com um colega ucraniano. A certa altura, comentei que vivemos nas duas únicas grandes cidades do mundo que, no momento, não contam com um aeroporto. Se bem que, vamos convir, as razões para Kiev não receber aviões há mais de dois anos são infinitamente mais graves e incertas do que as nossas.

A ausência de um aeroporto deixa Porto Alegre manca, com efeitos para muito além de questões menores, como se buscar voos alternativos de Caxias ou Florianópolis. A perda de nossa confluência aérea abala as viagens de negócios, é um cataclismo para o turismo e causa um transtorno fundo na economia e na recuperação do Estado. 

No rol de cobranças, portanto, a retomada de voos no Salgado Filho deve ser uma prioridade absoluta, até porque ainda é difícil de perceber na concessionária e em sua matriz na Alemanha aquela agonia com o senso de urgência e o desprendimento coletivo com que passamos a viver cada dia no Rio Grande do Sul desde o início de maio.

Já o fator psicológico de se ver subitamente aterrado é mais simples de tratar. Vamos receber menos turistas e visitantes, mas também vamos viver mais como nossos bisavós, que desconheciam bate e volta para uma reunião em São Paulo e, se não fossem milionários, limitavam-se a ler em jornais os relatos de quem lograra fazer uma viagem à Europa.

Literalmente no solo, podemos frequentar mais os restaurantes e serviços locais e descobrir um Rio Grande do Sul que o próprio Rio Grande desconhece. Em última análise, vamos poder fazer em larga escala aquilo que Kadão apregoa quando se tropeça em um acaso desagradável no aeroporto: aproveitar o infortúnio para ajustar a rotina, explorar as redondezas e, de quebra, ajudar na recuperação dos pequenos negócios.

MARCELO RECH

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