sábado, 7 de junho de 2025


07 de Junho de 2025
CARPINEJAR

Ovos estrelados

Eu fico impressionado com o delay do amor. Você permaneceu por cinco, 10 anos com alguém - e nunca se deu conta do que tinha? Nunca experimentou um lampejo de gratidão?

Precisou se separar para então ver o que perdeu, o que desperdiçou, o quanto era feliz sem perceber?

Não reconheceu a cumplicidade de que dispunha, a companhia maravilhosa ao seu lado, com quem poderia dividir o copo e o prato de olhos fechados, numa lealdade que não havia com mais ninguém? Com quem poderia assinar um papel em branco sem receio de ser enganado? Com quem poderia partilhar a senha do cartão sem medo de ser roubado?

Dependeu da brutalidade do divórcio para reaver a suavidade da convivência? Arcou com a falta e a penúria para recordar o cotidiano recíproco? Só sendo desfalcado dos lençóis para enxergar a importância do pano de prato?

Passou cinco, 10 anos alheio ao patrimônio emocional, sem valorizar a lealdade e a fidelidade do outro, porque elas vinham abundantes, diárias, de graça, sem cobrar nada em troca?

É um tanto de irresponsabilidade. Você teve que sofrer para aprender a amar? Para entender que era amado? Que delay gigantesco é esse?

Você esteve onde durante esse longo período? Num coma de olhos abertos? Olhando para quem? Com toda a demonstração de ternura e apego que havia de sobra à sua frente, você não despertou para os laços raros, sublimes?

E apenas com o terrível adeus conscientizou-se do prejuízo? Como justificar a ausência de atenção? Você acha que o seu antigo parceiro vai acreditar que esteve desligado - e que, de repente, assimilou o tamanho do seu sentimento?

Como ele aceitará você de volta diante da sua confissão de descaso, de indiferença, de desinteresse? Raciocine: foram cinco ou 10 anos não oferecendo o que essa pessoa merecia.

Não é tarde para notar tal erro? Como compensar o conjunto da obra, o vazio duradouro? Amor é pontualidade. Não adianta correr atrás das dívidas depois. Não existe como recuperar uma preciosidade após desprezá-la pelo romance inteiro.

Recorremos aos efeitos especiais - chocolates, rosas, jantares, viagens - em detrimento da constância da presença. Talvez aquele dia em que você não fez nada tenha sido um dos dias mais felizes da relação. Porque vocês dedicaram um tempo para se ouvir, para se atualizar das novidades, para namorar.

Acabamos tornando a nossa vida externa extremamente concorrida e pouco zelamos pela vida interior do casal. Partimos do princípio de que sedução é ostentar - e não absorvemos a lição de que conquista é simplesmente educação, respeito, gentileza, carinho.

Pensamos que basta gastar em itens de luxo, surpreender, realizar programas mirabolantes, e assim deixamos escapar o essencial, distraídos com o supérfluo. Eu tenho a convicção de que a pele fala. É o corpo que ensina para a alma o que é saudade.

Tudo está no toque. Você vai sentir saudade do quê? Não dos acontecimentos grandiosos e públicos, mas das cenas domésticas: do café da manhã, das risadas na sala, das brincadeiras no corredor, das piadas em comum com a cama desarrumada.

A saudade não é épica, é íntima. Você vai sentir saudade daquilo que só você viveu. Só você sabe. Só você testemunhou.

Não sentimos saudade de estar na multidão. A saudade é pessoal. Vem dos momentos a sós.

Aproveite quando você está em casa, com quem você ama. Cozinhar junto é muito melhor do que uma refeição Michelin, ovos estrelados são superiores à constelação de um restaurante. Vocês estarão se ajudando na tábua dos temperos, com os cotovelos rentes e as respirações sincronizadas. Na simplicidade, os dois brilham.

De onde você tirou que seu par quer ser presenteado a toda hora?

Ele se importa muito mais com o tempo que você compra de si mesmo para ofertar a ele. _

CARPINEJAR

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