sábado, 9 de março de 2019


09 DE MARÇO DE 2019
LYA LUFT

Feminicídio

Profissional das palavras, amante das palavras e da linguagem, curiosa pela comunicação entre pessoas, animais, pessoas e animais (sim, isso existe), de vez em quando sei que implico com alguma novidade. Não deveria: ex-professora de linguística, conhecendo a língua como ser vivo, em constante mutação, essa realidade me apaixona.

Porém, aqui e ali sei que implico, sim, com algum vocábulo que me soa modernoso, nem sempre útil, pouco interessante, tipo "moda efêmera". Assim, escrevi alguma coisa criticando esse novo termo: feminicídio. Supérfluo, pois homicídio já incluiria assassinato de mulheres.

Prestando mais atenção nos horríveis noticiosos sobre assassinatos de mulheres especialmente, argumentei comigo mesma que, se já havia infanticídio, matricídio, parricídio, poderíamos bem usar feminicídio. Pois o crime se expande e afirma de maneira espantosa.

Homens sempre mataram mulheres mais do que mulheres mataram homens? Possivelmente sim. Gosto de antropologia, de história, da história da humanidade, a nossa história tão intrincada, esquisita, às vezes gloriosa, outras vergonhosa. Já entre os trogloditas (uso o termo generalizando homens da pré-história), o macho, dominante pelo tamanho e força, saía a caçar comida para a família - para perpetuação da espécie - e para colocar no maior número de fêmeas jovens e saudáveis a sua semente - também para perpetuação da espécie. Então, segundo meu bom senso (na vida, como nas leis e no mundo, o bom senso nem sempre predomina), desde sempre mais homens maltrataram fisicamente mulheres. Tamanho às vezes é documento.

Mas quando leio e vejo notícias desses crimes específicos, mulheres mortas diariamente a pau, a faca, a tiro, pela frente, pelas costas, jogadas de andares altos, afogadas em banheira e tudo o mais, pergunto por que isso parece tão fácil, tão trivial. Quase sinistramente natural, pois a toda hora se matam mulheres por ciúme, loucura, droga, frustração, maldade mesmo, simplesmente vontade de acabar com ela.

E por que nós, mulheres, ainda tornamos isso tão fácil para o macho criminoso? Por que tão raramente - embora já com mais frequência - fazemos queixa às delegacias? Por que temos tanto medo dos nossos homens? Ou vergonha dos filhos, da família, da dita "sociedade"... e preferimos apanhar, e um dia morrer, em escandaloso e gritante silêncio?

Há cursos, estudos, seminários, psiquiatras e médicos que analisam essa questão, e as respostas são muitas. Acho que nenhuma muito satisfatória. Ainda há muitas franjas de sombra nesse assunto. Sei apenas que depende de nós, mulheres, não permitir que nada, nunca, passe do primeiro gesto da primeira mão levantada, porque depois virão o tapa, o soco, a surra, a repetição desses abusos vergonhosos e a nossa melancólica resignação. Quando vamos ver, estamos na lista dos feminicídios neste país, e no mundo inteiro, em todas as classes sociais, raças, religiões, culturas, humanidades diversas.

Então, com tristeza e sem mais comentários, incluo feminicídio no meu vocabulário.

LYA LUFT

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