sábado, 9 de março de 2019



09 DE MARÇO DE 2019
THAMIRES TANCREDI

Mulher, todo dia

O ano começou tão maluco que, vejam só, calhou de o Carnaval cair bem na semana do Dia da Mulher. Motivo para que, num 2019 que já veio aos trancos e barrancos, a última sexta-feira talvez não tenha sido tão lembrada assim. Na terça de Carnaval em que esse texto foi rascunhado, espiei no Facebook e vi pouquíssimos eventos que fizessem da data o 8 de março repleto de debates que tem sido nos últimos anos. Mas o mês recém começou - e creio que essas conversas entre elas só vão tardar esse ano, mas falhar, jamais. Até porque, mesmo com os pequenos avanços que temos tido, ainda há muito para se falar. Sobretudo quando olhamos os jornais e nos deparamos com notícias alarmantes como essa: somente nestes primeiros meses de 2019, casos de violência contra a mulher, mais uma vez, se multiplicaram nas manchetes. Apenas para lembrar:

Uma mulher foi espancada por quatro horas em fevereiro. E, mesmo com as fotos em que se via o rosto dela desfigurado sendo compartilhadas por portais de notícias, ainda havia quem a culpasse pelo horror que viveu naquela noite. "Ué, mas quem mandou querer pegar novinho? E por que chamou pra casa dela?". Em vez de ir atrás do agressor, a vítima ainda vira o alvo no grande juizado das redes sociais.

Uma garota de 11 anos engravidou depois de ser estuprada pelo parceiro da avó, na Argentina. E, mesmo tendo direito a abortar no país hermano por conta da situação, foi submetida a uma cesárea. Contra sua vontade. Viveu a violência duplamente: primeiro, vítima de abuso dentro de casa, onde deveria estar segura e cuidada. Depois, da Justiça, que adiou por mais de um mês a decisão de conceder à criança a permissão para abortar. Ainda há quem acuse a equipe médica, que optou pelo parto forçado. Porque seu corpo de menina não estava preparado para uma gravidez. Mesmo assim, houve quem ficasse feliz por não terem permitido o aborto antes. E pelo bebê ter tido o "direito de nascer". E a garota? Parece que o direito dela de ser menina não foi lembrado.

Uma jovem usou o Instagram para vir a público e denunciar a tortura física e psicológica, os abusos e os estupros cometidos pelo padrasto. Desde os 12 anos, teve de conviver com a violência dentro de casa. Primeiro, contra a mãe. Depois, contra ela mesma. Em casa, na rua, na faculdade. Com 21 anos, já havia sofrido oito abortos por conta da violência. Denunciou aos 13 anos, mas foi forçada pelo seu algoz a retirar a queixa. Somente agora teve forças para pedir ajuda de novo.

O mais atordoante? Esses casos são apenas de fevereiro. Tem muito mais de onde veio - e, pelos números oficiais, a coisa não tem mudado muito, não. Pelo contrário. Para se ter uma ideia, as denúncias de violência contra a mulher aumentaram 30% no ano passado. Foram mais de 92 mil ligações para a Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência - o Disque 180. Segundo um balanço do jornal Correio Braziliense, somente no último dezembro, 391 mulheres foram agredidas por dia. Mais: foram registradas 974 tentativas de feminicídio, o que configura um aumento de 78% em relação ao mesmo período de 2017.

É por conta de casos absurdos de violência como o de Eva Luana e por tantas outras lutas - como a equidade salarial e o combate ao assédio - que nós não podemos parar. De falar todos os dias, de discutir entre nós, de cobrar soluções das autoridades, de questionar o que é tido como verdade imutável. Que o Mês da Mulher seja mais uma oportunidade de colocar em pauta e trazer para a rua nossas necessidades e urgências. De fazer nossa voz ser ouvida. Mais do que qualquer marchinha de Carnaval.

THAMIRES TANCREDI

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