sábado, 14 de março de 2020


14 DE MARÇO DE 2020
VARIANDO

O que fazer com a dor de existir

De tanto em tanto, retorno a Heidegger. É obscuro, difícil, mas quero entender o que Lacan herdou dele, e que não foi pouco.

O filósofo tem uma reputação pessoal péssima, sua vacilação com o nazismo é imperdoável. Hannah Arendt, sua discípula e amante, uma vez disse: "Não é que ele fosse um mau-caráter, apenas não o tinha". Enfim, teve condutas desprezíveis, porém não estou buscando um amigo, procuro ideias. Ao contrário do senso comum da nossa época, acredito que uma obra, filosófica, científica ou artística, pode estar acima da personalidade de quem a produziu.

Por exemplo, a teoria da angústia dele é interessante por não tratá-la como necessariamente patológica. Heidegger insiste, em todos os momentos de sua obra, que esquecemos das perguntas centrais da vida. Levamos a existência no automático, pensamos sobre ela apenas quando despertados pela força de um acontecimento. Nesse sentido, a angústia seria uma companheira latente, que volta quando deparamos com certas perguntas. Para ele, no coração da existência está a ideia de que somos seres para a morte. A consciência da finitude é o que faz toda a diferença para nós. Portanto, seria de se esperar que houvesse uma cota de angústia inerente, ligada à condição humana finita. Logo, nem toda angústia seria desequilíbrio ou sintoma de uma doença.

Talvez fique mais claro se falarmos do luto. Quando perdemos alguém importante, tendemos a pensar a dor do momento como a falta do ser amado. Como um buraco que se abre e que nada nem ninguém pode tapar. É correta a interpretação, mas, para o autor, é a presença da morte que torna incontornável a pergunta sobre qual seria o propósito da vida.

Portanto, a dor não diz respeito apenas à perda, embora seja dura. A dor é também fruto do encontro com nosso vazio, com tudo o que tentamos não pensar sobre o sentido de estarmos vivos. O luto seria um momento no qual estamos mais sós e mais frágeis diante do mistério da razão de estar no mundo. Por isso o luto pode se prolongar, tanto por amor ao finado quanto por ser um tempo de filosofar, ainda que involuntariamente, sobre nossa missão terrena.

Eu tendo a acreditar que são ilusões racionalistas. Não existe sentido para a vida fora da teia de afetos que construímos. Penso que a resposta não passa por uma solução filosófica sobre o imponderável. Para dar algum sentido à nossa finita existência aposto nos atos: amando e sendo amado por quem nos está próximo, pertencendo a uma rede amorosa e de reconhecimento.

Já quanto à angústia, ele tem razão. A fragilidade da condição humana cobra um preço. Como existe um prazer em viver, existe uma dor de existir. Anestesiar ou negar esta dor amputa algo de nosso ser, perdemos a gravidade da dimensão humana e qualquer vento nos carrega.

MÁRIO CORSO

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