sábado, 6 de junho de 2020



06 DE JUNHO DE 2020
COM A PALAVRA - TODD CHAPMAN, embaixador dos EUA no Brasil, 58 anos

VEMOS NO BRASIL UM ALIADO NATURAL DOS ESTADOS UNIDOS

Diplomata de carreira no governo norte-americano desde os anos 1990, era embaixador no Equador antes de assumir o posto em Brasília, em março.

Maior autoridade do governo Donald Trump no Brasil, o embaixador Todd Chapman exibe no português perfeito sua proximidade com o país no qual morou, em diferentes momentos, por 11 anos. Chegou em 1974, ainda criança, depois que a empresa americana na qual seu pai trabalhava transferiu a família para São Paulo. Antes de ingressar no corpo diplomático, atuou na área financeira em Nova York e na Arábia Saudita e depois, como consultor no Brasil e em sua cidade natal, Houston, no Texas. Trabalhou na embaixada dos EUA em Cabul, no Afeganistão, e em Maputo, Moçambique, além de ocupar postos na Bolívia, na Costa Rica, na Nigéria e em Taiwan. Antes de voltar ao Brasil para assumir o cargo de embaixador no país, trabalhou entre 2011 e 2014 como vice-chefe da missão na representação em Brasília. Nesta entrevista, por videoconferência, fala sobre a crise racial nos EUA, o coronavírus e as perspectivas de alinhamento com o Brasil.

O SENHOR ESTÁ CHEGANDO DE VOLTA AO BRASIL DEPOIS DE SEIS ANOS. QUE MUDANÇAS PERCEBE ENTRE AQUELE PAÍS QUE O SENHOR DEIXOU E PARA O QUAL ESTÁ RETORNANDO?

Há vários períodos na minha vida em que morei no Brasil. Cheguei em 1974, quando tinha 11 anos. Claro, nesse tempo, houve uma transformação radical. Durante esses anos, fui ao Rio Grande do Sul com meus pais, fomos a Gramado, a Porto Alegre por um curto período, na década de 1970, e isso me marcou muito. Pensando entre 2011 e 2014, quando estive em Brasília, foi outro tempo, outro momento político. Lembro do início das manifestações sociais em 2013, na Avenida Paulista (em São Paulo), foi o começo de toda essa questão sobre corrupção. Agora, voltando, é um Brasil diferente, não há dúvidas. Não somente com relação à política, mas também na maneira como a economia está sendo transformada: tem mais Brasil no mundo, mais tecnologia, mais startups aqui, mais agroindústria. Esse é um Brasil bastante diferente, e acho que, para EUA e Brasil, é um momento de oportunidade e de otimismo do que podemos fazer.

O SENHOR É OTIMISTA COM RELAÇÃO A ESTE MOMENTO DAS RELAÇÕES ENTRE OS DOIS PAÍSES. QUANDO O GOVERNO NORTE-AMERICANO OLHA PARA O BRASIL HOJE, QUE IMAGEM VÊ?

Olhando o Brasil, desde Washington, o que vemos: é uma das 10 maiores economias do mundo, uma grande população, um país com uma tradição democrática, um irmão americano e uma força que está avançando nos princípios com os quais compartilhamos. Falo isso muito além da política, pensando nas liberdades de expressão, de imprensa, de associação, da importância do voto, de dizer o que você quer. Esses são princípios básicos fundamentais que existem na tradição dos EUA e do Brasil. 

Então, vemos um aliado natural. É tão bom que agora estamos nos aproximando mais e mais não somente na área política. Olhe os investimentos de empresas brasileiras, inclusive do Rio Grande do Sul, nos EUA. E também, claro, investimentos de décadas de empresas como General Motors, John Deere, no Rio Grande do Sul. Tem essa tradição. Vemos um aliado, mas acho que também vemos uma parceria que não é completamente otimizada. Nós podemos fazer muito mais juntos. Nosso fluxo de comércio é de US$ 105 bilhões. Com o México, é de mais de US$ 600 bilhões. E se trata de uma economia menor, mas com seis vezes mais (fluxo comercial). Por isso, digo que podemos duplicar nosso comércio em cinco anos, se tivermos acordos, entendimentos, essa fluidez de informação, baixando tarifas, regulamentos que restringem o setor privado. Por isso, sim, sou otimista. Mas otimista com razão.

SOBRE A QUESTÃO DA INTERNET 5G, EM ALGUM MOMENTO O BRASIL TERÁ DE DECIDIR SE VAI USAR A TECNOLOGIA DA CHINA OU SE FICARÁ AO LADO DOS EUA. ESSE SERÁ O PONTO DECISIVO PARA A APROXIMAÇÃO DOS DOIS PAÍSES?

Sempre quando seu país está avançando precisa avaliar várias questões: número 1, qual é meu interesse nacional? Um país tem de trabalhar pensando em seus interesses nacionais. Isso é primordial. Número 2: tem de pensar não somente no curto prazo, nos próximos três ou seis meses. É exatamente isso que é importante para o Brasil neste momento. E, nesse tema, como em outros, nós queremos compartilhar não somente nossa tecnologia e experiência, mas também nossa impressão quando observamos que há perigos para um aliado, um país irmão. Temos obrigação, como amigo, de alertar. Não estamos dizendo o que tem de fazer. Não vamos fazer isso, mas compartilhamos nossa preocupação e falamos da consequência. Isso não é ameaça, é para alertar. Um país como a China comunista tem uma lei, que é aberta, todos podem ver, que diz: qualquer empresa é obrigada a entregar toda a informação que passa por ela ao Partido Comunista e ao exército. Se você se preocupa com dados pessoais, sobre seus ativos de saúde, patentes, propriedade intelectual - e o Brasil produz muita propriedade intelectual -, você tem de fazer de tudo para se proteger. Por isso, alertamos. Nós já implementamos 5G com Nokia (finlandesa), com Ericsson (sueca), já há sucesso com essas empresas. E, quando os melhores e mais eficientes mercados e economias do mundo estão chegando a uma conclusão, é necessário prestar atenção. Por que o Japão? Por que a Austrália? Por que a Dinamarca? (Países que não usaram a tecnologia da chinesa Huawei.) Porque é real. Esse não é um assunto comercial. Essas nações têm os mesmos princípios que nós, que amamos a liberdade, a proteção da informação.

O SENHOR COSTUMA DIZER: VOCÊ PODE VENDER PARA QUEM NÃO CONCORDA, MAS NÃO SE VENDER. OS EUA PODEM RETALIAR O BRASIL SE CONTINUAR VENDENDO SOJA PARA A CHINA? O BRASIL PODE TER COMÉRCIO COM A CHINA E SEGUIR SE RELACIONANDO BEM COM OS EUA?

É claro que sim, porque nós vendemos mais para a China do que o Brasil vende. Vocês vão ter problemas conosco porque vedemos para a China? Posso fazer essa pergunta a você. Não. Não é o caso. Quem são os maiores produtores de soja? EUA e Brasil. Ótimo, fantástico, juntos podemos alimentar o mundo. É isso o que queremos fazer, com nossa tecnologia, com nossas empresas. Há brasileiros com grandes investimentos na agricultura na Flórida e em outras partes dos EUA. E aqui, quem são os maiores exportadores de soja? Cargill, Bunge, ADM, empresas norte-americanas. A cadeia de produção dos produtos agrícolas é integrada, e isso é fantástico. Vamos continuar com isso. Vamos alimentar o mundo juntos, porque somos os melhores do mundo.

FALANDO DE ESTADOS UNIDOS, O SENHOR ADMITE QUE A QUESTÃO RACIAL É UM PROBLEMA HISTÓRICO NÃO RESOLVIDO?

A sociedade norte-americana é multirracial, multiétnica. Somos um país de imigrantes que vieram legalmente aos EUA para recomeçar suas vidas desde Europa, Japão, desde muitos lugares. Há conflitos sociais. Não se pode negar isso. Mas estamos evoluindo como sociedade. A maneira como meus pais viram os temas do movimento de direitos civis, na década de 1950, é muito diferente de hoje. Estamos evoluindo, isso é importante. Mas ainda temos muito a fazer. Lamentavelmente, ainda há preconceito racial, que existe em muitas pessoas. 

Temos de, por meio da educação, do conhecimento, seguir evoluindo. Lembro que, quando morei na Filadélfia, cheguei a uma nova cidade, subúrbio da cidade, tinha 10 anos. Eu e outro menino, éramos os dois novos na região. Eu era branco como todos os outros, e ele era negro. Como acontece muitas vezes, os dois novos vão juntos. Ele foi meu melhor amigo em 1971, 1972. Pedi para minha mãe: "Posso levá-lo a minha casa?". "Sim, pode." Cheguei, brincamos de tudo. Adoro minha mãe, agora ela esta no céu, mas lembro que ela perguntou para mim: "Por que você não me contou que ele era negro?". Eu não pensei nisso. Mas olha a diferença de 1972 a 2020. Hoje isso seria diferente. Tem uma evolução nos entendimentos. Somos um país que continua a construir entendimentos e uma sociedade multirracial, sempre diminuindo os preconceitos. 

Vamos continuar trabalhando nisso. O ato pelo qual passou George Floyd é repugnante, é completamente um abuso, não só de direitos humanos, mas um ato criminoso, que agora será processado nos EUA. Mas também a morte de David Dorn, policial de 77 anos de Saint Louis, que foi morto, depois de mais de 30 anos como policial, agora aposentado, por alguns criminosos que estavam se aproveitando da situação para roubar lojas. Também é repugnante. Temos muito o que trabalhar nos EUA, e vamos continuar trabalhando. Ao mesmo tempo, como país multirracial, o Brasil também tem seus desafios na área. Temos todos de unir nossas forças para combater isso.

DESEMPREGO, PANDEMIA E VIOLÊNCIA NAS RUAS: OS EUA ESTÃO EM CRISE?

Eu diria que estamos passando por um momento difícil. Isso ninguém pode negar. Economicamente, está batendo fortemente. Mas, ao mesmo tempo, tenho muita confiança em nossa economia, a maior do mundo, capaz de se recuperar rapidamente. Como já estamos vendo, nossa bolsa de valores está subindo de novo. Tem um otimismo crescente de que nossa retomada econômica vai ser rápida. Acho que antes do final do ano vamos ver coisas voltando fortemente. Tenho muita confiança na solidez econômica, no espírito de empreendedorismo. Tanto dinheiro que estamos colocando em nossa economia, trilhões de dólares, como o Brasil, para sustentá-la durante este tempo de dificuldades, vai facilitar muito a recuperação da economia. Isso vai acontecer.

JAIR BOLSONARO E DONALD TRUMP TÊM ALGUMAS CARACTERÍSTICAS EM COMUM, ENTRE ELAS A BRIGA CONSTANTE COM A IMPRENSA. O SENHOR ESTÁ HÁ 30 ANOS NO SERVIÇO PÚBLICO E SABE A QUALIDADE DE JORNAIS COMO WASHINGTON POST E THE NEW YORK TIMES. ESSAS BRIGAS DO GOVERNO NÃO PREJUDICAM A DEMOCRACIA E A LIBERDADE DE IMPRENSA?

Acho muito importante ter uma conversa ativa, aberta e constante com a imprensa. Porque, se falo com você tomando um café, estou falando com um brasileiro. Se falo com você como jornalista, falando com todo o Rio Grande do Sul, estou falando com milhões de pessoas. É importante essa via de comunicação para poder ter esse diálogo. Mas, como funcionário público que já foi mal representado (pela imprensa) às vezes, vou dizer com toda a sinceridade: muitas vezes, jornalistas têm uma agenda que vai muito além de simplesmente reportar o que está dizendo a fonte. Existe frustração e, às vezes, essa frustração cresce. 

Eu entendo. Mas vamos continuar com a importância de preservar a liberdade de imprensa, mesmo criticando a mim, ao meu governo, o que seja. É uma liberdade bastante importante. Mas também tenho o direito de responder. E vou responder. E agora há muito mais canais pelos quais se comunicar. Algumas pessoas são mais agressivas, outras, menos, todos têm seu jeito, mas o importante é que o canal está aberto. O presidente Trump está dando mais acesso à imprensa do que qualquer outro presidente que já vi. Ele faz conferências de imprensa que duram mais de uma hora.

ELE GOSTA DE APARECER NAS CÂMERAS.

É bom ter mais acesso, mas está tendo problemas. Depende da personalidade, do jeito, da estratégia das pessoas. Estou tendo muita abertura com a imprensa. Estou sendo criticado, alguém não vai gostar do que digo. Tudo bem. Mas também vou preservar meu direito de responder. E acho que isso é importante. E talvez estejamos vendo que há mais abertura para responder diretamente quando se está sendo mal representado.

POR QUE, NA SUA OPINIÃO, OS EUA SÃO HOJE O PAÍS MAIS ATINGIDO PELO CORONAVÍRUS? O GOVERNO FALHOU NA RESPOSTA OU PODERIA TER FEITO MAIS PARA CONTER A PANDEMIA?

Somos referência mundial com nosso Centro de Controle e Prevenção de Doenças. Temos os melhores pesquisadores. Também temos uma das maiores populações do mundo. Mas o controle de doenças, de vírus, de pandemias, depende da informação científica, de um trabalho em conjunto, internacional, para controlar o vírus. E, lamentavelmente, dias e horas são importantes. Se você não conhece a informação correta no momento correto, você tem problemas. 

E, lamentavelmente, o vírus saiu de Wuhan, da China. Todo esse esforço da China comunista cria dúvida. O vírus não foi controlado dentro de Wuhan e da China. E, mesmo dois meses depois, a OMS (Organização Mundial da Saúde) disse, em meados de janeiro, não ter evidência de transmissão de pessoa para pessoa. Era uma informação completamente errada. E isso causou muitos danos. Quando você vive em uma sociedade aberta e livre é mais difícil controlar a população. Se eu chego em sua casa, com chave, e eu o tranco, você não pode sair, como fizeram em outros países autoritários. Você vai reclamar. Você tem o direito de sair de sua casa. Há diferenças em como se pode tratar pandemia em países democráticos e autoritários. 

Mas também se pode ver a Nova Zelândia, o Japão, a Coreia do Sul: eles tiveram mais sucesso, com maneiras diferentes de lidar com o problema. Essa é uma doença que ainda não entendemos totalmente. Todos estão trabalhando com o máximo possível de esforços para encontrar uma vacina. Há vários países que estão em fases avançadas de testagem. Estamos cooperando com o Brasil. Cada morte é lamentável. Mas vamos continuar trabalhando até o fim para que isso esteja sob controle.

COMO O SENHOR IMAGINA QUE SERÁ O MUNDO PÓS-PANDEMIA? O SENHOR ACREDITA QUE POSSA HAVER DESGLOBALIZAÇÃO E, POR EXEMPLO, RISCO DE EMPRESAS AMERICANAS DO BRASIL EM GERAL E DO RIO GRANDE DO SUL EM PARTICULAR SAÍREM DAQUI?

Acho que vamos ter mais atenção à reciprocidade nas relações entre os países, porque alguns não estão trabalhando de maneira recíproca. Vamos ver países como o nosso analisando de novo a cadeia de produção e onde estão as vulnerabilidades. Descobrimos, com essa pandemia, que há uma dependência de produtos de vários países. Quem sabia que uma máscara seria um item de segurança nacional? Agora, sabemos. 

É de interesse nacional produzir isso com países amigáveis, que não vão usar a saúde pública como uma arma, como fez a China comunista, dizendo "vamos deixar os EUA mergulhar no mar do coronavírus". O que é isso? Não vamos deixar isso acontecer de novo. Vamos selecionar nossos parceiros com muita atenção. Por isso, é uma oportunidade para o Brasil, porque muitas empresas vão sair da China comunista. O Japão já tem programa para isso. Muitos países têm, devido aos seus interesses nacionais e econômicos. Para onde vão? Muitos vão voltar para os EUA, muito bom. 

Mas essa é uma oportunidade de ouro para o Brasil, um país já bastante industrial, que já exporta muito, que tem muito para crescer industrialmente. Por isso, acho que podemos duplicar nosso comércio em cinco anos. Não é que vão sair do Rio Grande do Sul, minha opinião, de jeito nenhum. Eles vão ver: onde é um lugar excelente para produzir no Brasil? Onde tem empresas como Dell, GM, General Motors, John Deere, HP, esses grandes nomes dos EUA, empresas que têm uma contribuição no Brasil há décadas. O sul do país é muito competitivo. Então, acho que esse é um momento de oportunidade. Temos todos de trabalhar nesse sentido para aproveitar o momento, aumentar nosso comércio e criar as condições, com acordos e entendimentos, para crescermos economicamente juntos, como aliados que somos.

RODRIGO LOPES

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