sábado, 11 de julho de 2020



11 DE JULHO DE 2020
FLAVIO TAVARES - Jornalista e escritor

UM FEITICEIRO?

Os velhos provérbios de nossos avós (mesmo esquecidos) ressurgem em plena tragédia da covid-19 para alertar que "não há mal que sempre dure" e que a vida é irônica em si mesma. Aquele ditado de que "o feitiço se vira, sempre, contra o feiticeiro", por exemplo, ressurgiu agora quando Jair Bolsonaro revelou ter contraído a covid-19.

A "gripezinha" que o presidente da República sempre desdenhou como algo à toa, fez dele próprio, agora, um doente obrigado a ter cuidados especiais com aquilo que ele próprio dizia não existir. E dizia com a ênfase e autoridade de presidente da República, fazendo milhões de pessoas pensarem que a pandemia é algo "ideológico" ou "político", sem o poder de contágio apontado pela imprensa.

Depois de forçar a demissão de dois ministros da Saúde, deixou o cargo, nos últimos dois meses, nas mãos de um general da arma de Intendência que, por melhor intenção que possa ter, desconhece o ofício por "não ser do ramo".

Agora, o feitiço derrubou o feiticeiro, mostrando que a invencionice é o fruto predileto do autoritarismo que se crê capaz de opinar (ou mandar) até naquilo que ignora por completo. Infelizmente, é o caso de Bolsonaro, que, no horror da pandemia, se comporta como um adolescente que desafia tudo e se diz forte para ser visto como adulto e não mais como um guri.

Mas a imagem que melhor retrata o presidente é a da avestruz, que enterra a cabeça na areia para não ser avistada. A tudo isso, some-se a insensatez do presidente ao vetar trechos essenciais da lei aprovada pelo Congresso que, na pandemia, obrigava a usar máscaras nos presídios. Ou não sabe que o contágio se acelera nas prisões, núcleos das mais variadas doenças?

Nem tudo, porém, é feitiço ou feitiçaria. Gestos e atos positivos iluminam a escuridão e apontam caminhos.

Diretores de 29 grandes empresas brasileiras e multinacionais advertiram o governo sobre a necessidade urgente de proteger a Amazônia e a população indígena, ameaçadas pelas queimadas dos grileiros, pela mineração e pelos garimpos. Só isto impedirá - frisaram - que os demais países desistam de consumir produtos do Brasil.

Não se trata, porém, só da perda econômica, mas da devastação da natureza, como advertiram 12 procuradores da República, ao pedirem que o Supremo Tribunal suspenda Ricardo Salles das funções de ministro do Meio Ambiente por "desestruturação dolosa e esvaziamento" das políticas ambientais que, hoje, favorecem interesses opostos às finalidades do próprio ministério.

Quando a Justiça tem de ser acionada para que o governo cumpra sua finalidade, não será sinal de que estamos nas mãos da bruxaria de feiticeiros? E que eles nos atiraram num caldeirão fervente?

FLAVIO TAVARES

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