sábado, 11 de dezembro de 2021

11 DE DEZEMBRO DE 2021
J.J. CAMARGO

A AGONIA DA VAIDADE

Do rótulo de ambicioso, não necessariamente negativo, dependendo da dose, escapam os pacíficos, os conformados com o que têm, porque afinal ter mais para que se a pessoa nem dá conta do que a vida lhe deu?

A disparidade entre o planejado e o conseguido costuma ser causa de desconforto por conta da tendência generalizada de vivermos comparativamente.

No seu livro How to Make Yourself Miserable ("Como fazer de você mesmo miserável", em tradução livre), Dan Greenberg demonstra por meio do humor o poder insidioso que o pensamento comparativo pode exercer sobre nós: "Se os leitores tiverem um desejo sincero de tornar suas vidas infelizes, devem se aplicar à comparação com as outras pessoas".

Os que se dedicam obsessivamente às comparações dos seus dotes físicos, mais frequentes entre as mulheres jovens e as de qualquer idade que rejeitam a naturalidade de envelhecer, assumem um atalho para a tristeza de descobrirem que a vaidade nunca terá o tempo como seu amigo predileto.

Se a comparação se limitar ao plano da beleza física, o desconforto será mais superficial, mas se atentarmos para as realizações pessoais, o nível de infelicidade vira poço.

A descoberta na fase madura da vida de que não importa para que lado você olhe, sempre haverá alguém mais tudo, mesmo nas coisas em que você se acha bom, desmonta qualquer vaidade e ridiculariza o narcisismo.

A perseguição ao modelo idealizado que energiza a juventude e estressa a idade adulta a golpes de placas coronarianas vai perdendo força com o passar dos anos, na medida em que o velho constata que não há mais tempo para mudar a estratégia e só resta ser o que merecemos. E evitar correntes de ar.

Mas mesmo nas conversas com velhinhos bem resolvidos, com alguma frequência escapa um desejo reprimido ou um reconhecimento público omitido, sob a forma de um resmungo involuntário que ele se constrange em verbalizar.

Com a proximidade da morte, essa necessidade de resgatar o melhor do que fomos para justificar o reconhecimento que julgamos merecer mistura nostalgia e impotência. E quando se torna assunto obrigatório, afasta os interlocutores, acrescentando solidão ao que já era triste.

Dona Wanda povoou a mesa de cabeceira do seu quarto de hospital com fotos representativas de cada fase da sua vida de mulher bonita. Quando a elogiei, ela confessou: "É assim que eu quero que o senhor me veja. Como eu fui, e não com o que restou de mim. E por favor, pense nisso quando for prescrever analgésicos para a dor do corpo, porque da outra dor cuido eu!".

J.J. CAMARGO

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