sábado, 11 de dezembro de 2021


11 DE DEZEMBRO DE 2021
PÓS-CREDITOS

PARENTE É SERPENTE

Com a exibição do nono episódio, All the Bells Say, pelo canal HBO e pela plataforma de streaming HBO Max na noite deste domingo, chega ao fim a terceira temporada de Succession. Mas esta coluna evitará spoilers para quem ainda não acompanha a melhor série dos últimos tempos (até Charlie Brooker, o criador da maravilhosa Black Mirror, diz que morre de inveja). O objetivo é agregar mais gente à família Roy, embarcar mais passageiros em uma trepidante montanha-russa - ou seria um cruzeiro marítimo?

Trepidante parece um adjetivo deslocado em relação a uma série desprovida daquilo que conhecemos como cenas de ação. Mas Succession tem personagens que estão sempre andando na corda bamba e sempre esgrimindo com diálogos afiados. Não à toa, seu autor, Jesse Armstrong, ganhou o Emmy de roteiro na primeira temporada (também laureada pela excelente música-tema de Nicholas Britell), lançada em 2018, e na segunda, de 2019 - que levou outros seis troféus na principal premiação da TV e do streaming nos Estados Unidos, incluindo melhor série dramática, ator (Jeremy Strong, o Jerry Rubin do filme Os 7 de Chicago) e direção (Andrij Parekh, um dos vários nomes por trás dos episódios, como o cineasta Adam McKay, que assinou o piloto, e Mark Mylod, realizador da maioria). Os atrasos na produção provocados pela pandemia de coronavírus empurraram a estreia da terceira temporada para outubro de 2021.

Succession faz um retrato impiedoso e sarcástico da família de Logan Roy (personagem do ator escocês Brian Cox), dono do quinto maior conglomerado de mídia e entretenimento - a Waystar Royco comanda jornais, canais de TV, sites, estúdios de cinema, turismo náutico, parques temáticos etc. Como o título indica, a sucessão na empresa deflagra os atritos neste "ninho de serpentes", a definição dada à família por um parente. Espere duelos verbais, intrigas, conspirações, traições, reviravoltas, mancadas, puxadas de tapete e acidentes que nos deixarão sedentos para seguir assistindo um episódio depois do outro (a propósito, são 10 na primeira temporada e 10 na segunda, cada um com mais ou menos uma hora de duração). A câmera na mão, o zoom para flagrar as reações dos personagens e a edição ágil realçam a urgência e os riscos - só que também podem servir de alívio cômico.

Os roteiristas são hábeis em conjugar insultos e carraspanas (existem sites que se dedicam a compilar os melhores ao fim de cada episódio) a comentários ácidos sobre o mundo real dos negócios, da política, da comunicação e da vida como um todo. A certa altura, Logan dirá para um dos filhos uma frase que praticamente define o século 21:

- Nada é uma linha. Tudo, em todos os lugares, está sempre se movendo. Para sempre. Acostume-se.

Em outro episódio, a possível ascensão de um candidato supremacista à Casa Branca gera uma menção nada elogiosa ao Brasil:

- I?m not saying it?s going to be the full Third Reich, but I am genuinely concerned that we could slide into a Russian Berlusconized Brazilian fuckpile (em tradução, livre, "Não estou dizendo que será o Terceiro Reich completo, mas estou genuinamente preocupado com a possibilidade de virarmos uma p**ra brasileira berlusconizada russa").

Shakespeare

Mas não basta uma trama incisiva se não houver também personagens com os quais a gente se importa. Podemos até não gostar deles, pois - repetindo - são cobras, mas é difícil não se identificar com alguns de seus dramas, algumas de suas angústias, alguns de seus pecados. Afinal, estamos diante de uma fauna com traços shakespearianos - aliás, a peça Rei Lear é uma inspiração assumida. Há o pai tirano, o primogênito que parece o bobo da corte por conta das asneiras ditas, o filho covarde que finge ser corajoso, o genro que procura ser querido por todos mas que sabe ser abusivo, o primo pobre que quer ascender, a filha que procurou trilhar outro caminho... Ao acompanhar a movimentação desses tipos, Succession consegue mexer com sentimentos conflitantes que podemos ter em relação aos super-ricos: raiva, inveja, um certo alívio por não estarmos em seu lugar...

E o elenco é extraordinário. Tanto é que a segunda temporada recebeu nove indicações nas categorias de atuação no Emmy. Jeremy Strong, que faz o papel do tragicômico Kendall, o filho ora superconfiante, ora superfrágil, supostamente destinado para ocupar o cargo do pai, venceu justamente Brian Cox no prêmio de melhor ator. Cherry Jones (a presidente Allison Taylor em 24 Horas) foi laureada como atriz convidada. Seu papel é o de Nan Pierce, uma empresária da imprensa inspirada na família proprietária do jornal The New York Times.

Entre as derrotadas, estava Harriet Walter, na pele de Lady Caroline Collingwood, a mãe de três dos quatro filhos de Logan, atualmente em seu terceiro casamento. James Cromwell, que encarna um irmão desafeto de Logan, Ewan, concorreu como ator convidado. Intérprete de Siobhan, a filha que preferiu se dedicar à consultoria política, Sarah Snook (da ficção científica O Predestinado) disputou o troféu de atriz coadjuvante.

Entre os atores coadjuvantes, foram três nomes: Kieran Culkin (o caçula Roman Roy, imaturo, mimado e não raro desagradável para com seus interlocutores), Matthew Macfadyen (Tom Wambsgans, namorado de Siobhan e executivo na Waystar Royco) e Nicholas Braun (o primo Greg, que tenta galgar postos na empresa). Uma dica: preste atenção nas interações entre Tom e Greg, que, de certa forma, são os estrangeiros no clã dos Roy e, portanto, talvez sejam os tipos mais humanos e funcionam como nossos guias - ainda que, a exemplo dos demais personagens, não sejam nada confiáveis.

PÓS-CREDITOS

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