sábado, 17 de agosto de 2024



17 de Agosto de 2024
OPINIÃO - Opinião

Só perguntas

O que deveria ter sido feito para que Kerollyn Souza Ferreira, de nove anos, estivesse viva hoje e se preparando para ir à escola na segunda-feira, como tantos milhões de brasileirinhos? Ninguém via que a menina dormia por vezes em um carro abandonado? Os representantes do conselho tutelar não perceberam algo de muito errado? Se notaram, por que não agiram antes que fosse tarde? 

Se não notaram, outros tantos meninos e meninas em condições similares não estão, eles também, à beira de uma fatalidade? Este é o procedimento-padrão estabelecido por leis e regramentos? Se o é, alguém acha que o modelo é eficiente? Se não é, por que é adotado? Está certa a crença dos conselhos tutelares de que devem tentar de tudo para que os filhos sejam mantidos na família? Qual o limite para essa crença? Estão conselhos e conselheiros preparados e conscientes para fazer as avaliações decisivas em questões tão subjetivas? 

É melhor prevenir do que remediar ou é melhor insistir em uma situação que pode fugir do controle? Como identificar com clareza as circunstâncias de alto risco quando elas não estão tão evidentes, como marcas de violência e agressão? Com tantos registros de ocorrências de pais e parentes, não era para desconfiar de que a ameaça a Kerollyn era real e iminente? Só a desconfiança basta para uma ação mais radical? Os demais parentes poderiam ter feito algo mais além de procurar o conselho tutelar? Toda a responsabilidade pelo descaso no episódio cabe ao conselho? Quem mais poderia ter intervindo pela menina antes que fosse tarde? 

Os vizinhos? A escola? O Ministério Público? A polícia? Os serviços sociais da prefeitura? Outros? A mãe teve acesso a métodos anticoncepcionais? Se não, por que não? Se sim, por que teve quatro filhos e os negligenciava? Tinha algum problema mental? Se tinha, o que deveria ter sido feito? Se não tinha, como pode ter se mostrado tão fria quando informada da morte da filha? É crueldade? Se é crueldade, alguém tão cruel pode ficar com a guarda de quatro crianças? Por que ela não pôs os filhos para adoção se não se dispunha a cuidar deles? 

Ela foi abordada sobre essa hipótese? Era possível, ou seria ético, induzi-la a encaminhar os filhos para outras famílias? Como isso deve ser feito, quando e por quem? Quais os limites da não intromissão nas decisões íntimas de uma família? Pode o Estado tirar os filhos de uma mulher sem provas contundentes de que eles correm risco? Depois desse episódio, não seria sensato rever todo o sistema de proteção à infância antes que novas tragédias se repitam? Aprendemos alguma coisa com o caso Bernardo? Vamos aprender algo com o caso Kerollyn? _

Andressa Xavier

Quando todos falham

Kerollyn, Bernardo, Mirella, Ana Pilar são alguns, e não são exceção. Em comum, crianças que sofreram nas mãos de quem deveria protegê-las e cuidá-las.

Hoje em dia se entende que não é aceitável maltratar uma mulher ou um idoso, para citar dois grupos vulneráveis. Para as crianças, muitos ainda acham que a violência é a solução. Na verdade, quem apanha cresce achando que é normal resolver as coisas com agressões e acaba se submetendo ao que vivenciou na infância. Isso quando sobrevivem e viram adultos, o que não aconteceu com essas quatro crianças. A primeira foi encontrada no lixo na semana passada. O caso Bernardo ficou conhecido em 2014. A Mirella foi morta em Alvorada, aos três aninhos de idade, pelo padrasto e com a mãe sabendo o que acontecia. A Ana Pilar foi esfaqueada pela mãe em Novo Hamburgo faz poucos dias.

Omissão, negligência, abandono. Quando alguém pede socorro, especialmente uma criança, o pedido não pode ser negado. Muitas vezes ela não vai conseguir gritar ou denunciar, como o Bernardo fez há mais de 10 anos quando, em vão, procurou ajuda. É preciso observar, entender sinais, enxergar que tem algo errado - e agir. A roupa malcuidada, a necessidade de cuidar dos irmãos por causa da ausência dos pais, as noites dormindo em um carro abandonado. A carência de uma menina de nove anos que pedia abraços. Uma família conhecida pelo conselho tutelar.

Desde que virei mãe evito saber detalhes de casos como o da Kerollyn Souza Ferreira. Quando o corpo dela foi encontrado no contêiner, houve dúvida se era uma criança ou uma boneca. Nesse caso, de nada adianta eu me fechar em uma redoma que não me mostre o que houve. Ao contrário, precisamos todos saber para poder cumprir com o nosso papel. 

Algo que quem foi eleito para isso não fez, embora tenha sido avisado pela vizinha ao menos 20 vezes. Cada detalhe choca mais. Como um conselheiro tutelar dorme depois de receber alertas de que uma criança está sofrendo? Nem falo no caso extremo, da morte, mas no dia a dia. Essa criança não precisava ter morrido para escancarar o descaso com a vida. Uma agressão já era motivo suficiente para o conselheiro fazer o que é sua obrigação: acionar polícia, Ministério Público, Justiça ou o que for.

Conselheiros: honrem seus cargos. Façam seu trabalho de forma transparente e responsável, senão a sociedade, diante de tantos relatos que surgem quando falamos do trabalho de vocês, vai sempre se questionar para que servem os conselhos. Aliás, talvez em vez de somente uma eleição sem grande apelo à população em geral, seja necessário repensar a escolha fazendo uma prova de conhecimento e de formas de agir em diferentes situações. Precisamos de profissionalismo em algo tão sério, e não de um cabide de cargos ligados a tudo, menos ao compromisso de cuidar das crianças e dos adolescentes. _

OPINIÃO

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