sábado, 31 de agosto de 2024


31 de Agosto de 2024
PSICOLOGIA

PSICOLOGIA

Essa porcentagem corresponde ao chamado "tripé do desenvolvimento pleno", que abrange aspectos físicos e motores, cognitivos e socioemocionais.

- No mundo adulto, nós também exigimos resiliência, possibilidade de resolver conflitos, espírito de inovação. Ou seja, habilidades mais comportamentais que são vinculadas a essa capacidade socioemocional, cuja base estrutural também é fundamentada na primeira infância, nos primeiros seis anos de vida - contextualiza Mariana.

No entanto, o ambiente em que a criança é criada determina se ela conseguirá atingir os 90% de desenvolvimento do cérebro ou não. A CEO da entidade comenta que esse entorno envolve muitos elementos, como se a gravidez foi desejada, se há histórico de violência, se os adultos responsáveis pelo bebê o cuidam com amor, afeto, estímulos e vínculos. O ambiente escolar e as mudanças climáticas também interferem nessa formação cerebral.

- A formação do vínculo é a coisa mais importante para o bebê. É como se fosse um escudo de proteção para a criança. Se a criança tem um vínculo forte com os adultos de referência, ela vai inclusive conseguir passar por momentos de adversidade de uma forma melhor no futuro - afirma.

Da mesma forma, uma criança que nasce em um ambiente de violência, abuso, sem brincadeiras e com alto nível de estresse tóxico acaba carregando esses traumas para o resto da vida, tendo altas possibilidades de enfrentar desafios de saúde mental, segundo Mariana.

Impacto do ambiente

Esses reflexos positivos e negativos também são observados por teóricos e especialistas da psicologia. A psicóloga Lisiana Saltiel cita a psicanalista austríaca Melanie Klein, que falava sobre o quanto as relações com os pais e cuidadores são fundamentais para a criança se sentir segura ou rejeitada, por exemplo.

- A forma como a sua criança interior leu essas relações vai ser a forma como vai lidar lá na frente - sintetiza.

Lisiana também faz referência a Donald Winnicott, um pediatra que contribuiu muito com o tema, por ressaltar o quanto um ambiente acolhedor e seguro na infância pode fazer com que a pessoa seja capaz de ser autêntica na vida adulta.

- Nesse contexto, entender como você se formou, quais são seus medos, como é sua maneira de ver e lidar com a realidade, como você ama, como odeia, como reprime ou se defende de angústias, tudo isso é fundamental para a saúde mental e harmonia de suas relações - enfatiza.

Personalidade e confiança

Joana Corrêa de Magalhães Narvaez, professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), acrescenta que é a partir das relações originárias e do olhar do outro que o indivíduo se constitui e aprende a ler e a traduzir a si mesmo enquanto sujeito próprio. Por isso, considera que a infância tem grande importância na formação da personalidade e da confiança básica em si e no outro, sendo capaz de gerar uma base mais estável para o desenvolvimento integral e para ter um espaço interno para aprender e crescer:

- É na dinâmica das relações iniciais que nós nos estruturamos, que aprendemos, inclusive, a sermos amados, a desenvolver e internalizar um senso de preservação, a nos valorar enquanto um corpo e psiquismo singular. A infância remete a uma fase desenvolvimental de dependência do outro e, com ela, vem um natural estado de vulnerabilidade.

É por isso que situações traumáticas vividas nessa fase podem deixar marcas futuras. Joana explica que o trauma é justamente uma carga excessiva que o psiquismo não consegue processar. Assim, ambientes inseguros e com base afetiva imprevisível são mais suscetíveis a moldar pessoas com mais medos, mais inseguranças sobre si mesmas, mais baixa autoestima, maior defensividade e potencialmente mais vazios.

- É na infância que vamos criando um espaço psíquico para aprender a nomear e processar as necessidades e as emoções próprias em uma narrativa simbólica. Uma pessoa que teve uma infância preservada e integral tem campo mais fértil para desenvolver mais confiança em si e no outro. Nesse sentido, uma base segura de apego inicial confere continência psíquica, para melhor transitar pelos afetos e processar emocionalmente as vicissitudes da vida - comenta.

Repetições

Isso não significa, contudo, que uma pessoa que viveu situações potencialmente traumáticas não possa, ao longo da vida, revisar a forma relacional inicial para buscar estar em uma posição mais confortável em suas relações. Até porque, na fase adulta, é muito comum que o indivíduo repita lugares nas relações e configurações dinâmicas as quais foi apresentado inicialmente, mesmo de forma inconsciente.

Conforme a professora Joana, essa revisão pode ser feita por meio de novas configurações relacionais, da psicoterapia ou da análise, por exemplo:

- A criança que nos habita ou a criança que fomos é tão constitucional que é naturalmente explorada nos nossos processos. Há de poder se resgatar aspectos que em uma etapa de mais vulnerabilidade nos foram tão constituintes e marcaram a nossa base de funcionamento. Então, é muito importante nos apropriarmos de pontos que nos são mais primitivos ou para os quais regredimos quando sob pressão emocional. 

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