09 de Novembro de 2024
ANDRESSA XAVIER
O sonhador da Restinga
O Éverton tinha uns nove anos. Morava na Restinga. Observava o incansável esforço do pai para tentar finalizar a residência da família. Sempre surgiam outras necessidades. A conta não fechava e a obra ficava em segundo plano. Ele também via a tia de 40 anos, que morava nos Estados Unidos, finalizando a construção de uma casa no mesmo bairro. Ela vivia bem no país e ainda sobrava dinheiro para investir aqui. Desde aquele momento, o guri teve certeza de que queria viver o sonho americano.
Na escola, ouvia a risada dos amigos e professores, que debochavam da pretensão dele. Sem dar bola pra isso, o sonho foi sendo alimentado. O plano era conseguir dinheiro para viver fora e ainda mandar recursos para a família no Brasil. Um pré-requisito nos relacionamentos era saber se a possível namorada aceitaria entrar no que poderia ser uma fria. A Daniela topou. Embarcaram com o filho, na época com pouco mais de um ano, com a cara e muita coragem.
Conheci o Éverton em abril desse ano, quando estava em férias nos Estados Unidos. Ele me mandou uma mensagem pelo Instagram se oferecendo para fazer nosso transfer até o aeroporto. Dois dias depois, lá estávamos na caminhonete gigante com quase uma hora pela frente de conversa até chegar ao destino. Até comprar aquele carrão ele e a esposa choraram muitas vezes tentando esconder do Paulo, a criança que crescia longe do restante da família, a saga que estavam vivendo.
Ele entregou comida andando de bicicleta na neve, trabalhou na construção civil, lavou louça, fez faxina. O balanço era de muita frustração e pouco dinheiro para sobreviver em um país em que mal sabiam o idioma básico.
O Paulo, agora com 10 anos, cresce em uma realidade bem diferente. O inglês dele é muito melhor do que qualquer um de nós, já que cresceu no país das oportunidades. Eles moram em um apartamento no Queens, bairro mais afastado de Manhattan, mas que dá boas condições de vida à família. A frota de cinco carros e mais os motoristas parceiros garantem uma vida boa para os três, mas também para os familiares no Brasil. Foi para isso, afinal, que fizeram o sonho se realizar.
O sonho americano é dividido entre milhares, talvez milhões de pessoas pelo mundo. Nem todas conseguem chegar lá. Umas ficam pelo caminho, outras acabam voltando depois de ver que aquilo se tornou um pesadelo, outros tantos acabam até em abrigos para sobreviver. O porto-alegrense da Tinga fez acontecer. Multiplicou. Comprou casas e terrenos no Brasil. Eles foram resilientes. São. Não imagino que seja fácil viver longe da família e, me disse ele, do xis e do churrasco. Além da quadra do Estado Maior da Restinga.
Aproveitei a cobertura da eleição americana e entrevistamos o Éverton em plena Times Square, no Gaúcha Atualidade. Ele se emocionou e nos emocionou. Contou que o filho foi conviver com a avó só agora, numa visita que ela fez a Nova York. Foi o suficiente para se apaixonar por ela, como são as relações de netos com os avós. A distância foi o preço. Mas ele quer voltar: "Não quero ir só para enterrar meus pais", refletiu. O sonhador da Restinga segue sonhando. _
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