sábado, 2 de novembro de 2024


02 de Novembro de 2024
TRABALHO NECESSÁRIO -Yasmim Girardi*

TRABALHO NECESSÁRIO

Trabalhar com a morte exige dedicação e também leveza. Zero Hora ouviu relatos de profissionais imersos no processo de despedida da vida. Uma dessas pessoas é uma jovem tanatopraxista que prepara os corpos para os velórios na Funerária São Pedro. Outro profissional é um sepultador que está há 14 anos na atividade no Cemitério da Santa Casa

Ao perguntar para crianças onde desejam trabalhar no futuro, é pouco provável que a resposta seja "em uma funerária" ou "em um cemitério". Ainda que incomuns e em parte carregadas de preconceitos, as profissões de tanatopraxista e sepultador - diretamente envolvidas com a morte - trazem muita realização e felicidade para Giovanna Neves, 24 anos, e Lindomar dos Santos Ribeiro, 58.

- Parece macabro, mas eu amo meu trabalho. Eu venho trabalhar empolgada. A melhor parte é quando a gente vai abrir ou encerrar um velório e o sentimento da família é de gratidão - relata Giovanna, que é responsável por preparar os corpos para a despedida.

A tanatopraxista conta como funciona um dia normal na Funerária São Pedro, onde trabalha há sete meses. A função, que pode demorar entre uma e oito horas, envolve realizar a higienização do corpo, recuperar a aparência do falecido e utilizar técnicas de embalsamento e preservação para retardar o processo de decomposição. Em um carrinho parecido com o utilizado em salões de beleza, Giovanna mostra os produtos com os quais faz a maquiagem e o cabelo dos mortos, última parte do processo.

Para ela, frases comuns em velórios, como "parece que está dormindo" ou "está com semblante de paz", são elogios. Ela explica que, como não conhece os falecidos, é sempre um desafio fazer com que a pessoa fique parecida com a imagem que os familiares guardam na mente. A maquiagem pode ficar pesada, ou, em casos dos muito vaidosos, leve demais.

Atualmente, não resta dúvidas de que Giovanna ama o que faz. Mas, no começo, a ideia soou meio estranha para a bióloga:

- Uma amiga ficou sabendo dessa vaga e disse que era a minha cara. Eu pensei "como assim trabalhar na funerária é a minha cara?". Topei ir conhecer, em respeito a ela, e saí da entrevista dizendo que precisava ser contratada. Eu sempre digo que, do fascínio da vida, que é o que me chamou atenção na biologia, há o enigma da morte. Essa dúvida, sobre o que acontece depois da morte, é o que mais me chamou atenção para vir para cá.

Sem receio

Ela garante que não tem medo de ficar sozinha no laboratório de tanatopraxia, onde os corpos são preparados, com os mortos. Mas Giovanna lembra que o pai ficou receoso quando ela contou da nova profissão. A preocupação era de que o trabalho seria emocionalmente pesado.

Segundo Karina Kunieda Polido, psicóloga especialista em teoria, pesquisa e intervenções em luto, essa aflição é normal.

- Já trabalhei muitos anos dando treinamento e capacitação de acolhimento para pessoas que trabalham tanto em cemitérios quanto em funerárias. E a maior preocupação era em relação a o que as pessoas levam para casa do trabalho. Muito do que se cuida nesse sentido é para que não aconteça nenhum dos dois extremos, para não mobilizar demais e nem de menos.

A jovem tanatopraxista afirma que alguns casos são chocantes, mas entende que precisa separar os sentimentos para acolher as famílias enlutadas. _

"Aprendi a gostar e gosto muito do que faço"

Depois do velório é quando Lindomar dos Santos Ribeiro começa a trabalhar. Há 14 anos atuando como sepultador no Cemitério Santa Casa, ele é responsável por preparar e realizar o enterro quando esta é a escolha dos familiares. Também há aqueles que preferem a cremação - quando o corpo é incinerado e transformado em cinzas.

Em um dia cheio, o profissional sepulta até 10 corpos. Ele ressalta que o trabalho no cemitério e a religião - evangélica - o ajudam a encarar a morte de uma maneira leve. Lindomar afirma que não tem medo de encontrar com a morte e que, a hora que vier, será bem-vinda. Para ele, é uma passagem desta vida para a outra. A psicóloga Karina Polido avalia positivamente esse sentimento:

Um agradecimento da família é a melhor recompensa pelo trabalho realizado, afirma Lindomar. _

* Colaboraram Cassia Oliveira e Juliana Lisboa

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