quinta-feira, 8 de dezembro de 2022


03 DE DEZEMBRO DE 2022
CRISTINA BONORINO

MIGRAÇÕES

Durante a pandemia aconteceram coisas terríveis e, paradoxalmente, algumas coisas boas. Uma das coisas boas foi a aproximação entre jornalistas e cientistas. Com a gigante onda de notícias falsas se espalhando pelas redes sociais de forma indiscriminada, jornalistas e cientistas, que nunca tinham conversado muito bem, migraram para a mesma direção, convergindo quanto ao anseio de divulgar informações corretas para a população para evitar maiores tragédias do que as já estavam acontecendo.

Aliás, foi nesse momento que se escancarou o quanto a falta de critério e monitoramento de veracidade das informações transmitidas por essas redes contribui para estimular pensamentos fantasiosos em pessoas que já têm tendência para isso, ou têm pouco acesso a qualquer outro tipo de informação, ou educação.

A falta de educação e ciência é a semente que regimes opressores regam cuidadosamente com mentiras, repetidas tantas vezes quantas forem necessárias para transformá-las em verdade. Uma das maneiras de fazer isso, é claro, são cortes progressivos nos recursos que sustentam essas áreas, formando um combo explosivo com a enxurrada de notícias falsas. Com o tempo, cresce a população dos que acreditam piamente que a Terra é plana, que vacinas não funcionam ou que exércitos marcharão fazendo com que isso se torne realidade.

Dentro desse processo de aproximação dos jornalistas verificando fatos e cientistas tentando explicar processos complexos, surgiu uma relação muito interessante, que beneficiou a todos. Assim foram veiculadas as informações corretas, papel que deveria ter sido dos governos, mas que em muitos países, como o nosso, se esquivaram como puderam de auxiliar a população a combater o vírus. E o Twitter, nesse processo, sempre foi a rede favorita dos cientistas - desculpa, Zuckerberg, mas é a verdade - para conversar. Criamos entre nós uma coisa que carinhosamente chamávamos de Science Twitter. Cientistas criaram a internet, há décadas, para trocar informações entre si. Então é uma necessidade profissional, porque debatemos e checamos um ao outro constantemente, e o Twitter era uma rede usada por ambos os grupos, que fazia alguma checagem de fatos - mais do que o WhatsApp, ao menos.

E agora o Elon Musk, entre outras decisões-desastre, decidiu que informações falsas podem voltar a ser veiculadas pelo Twitter. Musk não é burro, né? Ele entende a quem serve isso - e está claramente ao lado deles. Os cientistas estão migrando, portanto, para fora do Twitter. A rede escolhida, por enquanto, é o Mastodon - algo descentralizado, onde jornalistas podem ser verificados sem pagar. Perdas e ganhos, o futuro dirá como isso vai funcionar. A longo prazo, o trabalho é empurrar quem só quer confundir e deseducar as pessoas a migrar para longe, para fora, ou de volta ao lugar triste de onde saíram.

CRISTINA BONORINO

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