quinta-feira, 8 de dezembro de 2022


03 DE DEZEMBRO DE 2022
MONJA COEN

GLADIADORES E CAMPOS DE FUTEBOL

O Coliseu, em Roma, era um grande estádio. Gladiadores lutavam pela vida. Algumas vezes com outros gladiadores armados de instrumentos de ferro e outras vezes contra leões. Alguns nem mesmo gladiadores eram, mas pessoas que caíram em desgosto das lideranças pelas razões mais variadas. Não sabiam se defender fisicamente. Alguns oravam e se entregavam às afrontas oferecendo seu martírio ao sagrado.

O público torcia, chorava, sorria. Identificavam-se ora com a vítima, ora com o vitimador. Ficavam horas nos espetáculos, até mesmo comiam e se divertiam com os jogos ali apresentados. O imperador era quem decidia, ao levantar um polegar, se o gladiador ficaria vivo. Se o imperador abaixasse o polegar morria. O povo apreciando, sangue escorrendo, dor sofrimento.

Alguns se recusavam a ir a esses locais. Outros iam para prantear e se despedir dos que ali morriam ou saiam deformados, mutilados. Ainda há situações semelhantes no mundo atual. Pessoas famintas sendo abusadas, feridas, mortas, excluídas e outros sentados, observando, comendo, se regalando como se estivessem sentadas nas pedras do Coliseu. Entretanto, a decisão da vida e da morte não é mais tomada publicamente, mas na calada da noite em reuniões secretas onde os mandantes se escondem.

Hoje, nos campos de futebol, cuja estrutura nos lembra as do Coliseu, há um jogo de vida e morte. Alguns ganhando muito e outros sem nada. Há os que compartilham, de suas mesas as migalhas. Há os que doam seus bens materiais e há os incapazes de sentir e querer bem, seja lá a quem.

No campo, os jogadores demonstram suas habilidades e os treinadores se desdobram em observar e escolher melhores sistemas de defesa, de ataque, de meio de campo. Muitos dos jogadores vieram de locais distantes, de vilarejos e famílias pequenas, de campos de terra ou areia, sem chuteiras, mas pelo gosto de desenvolver a habilidade de correr e levar a bola para onde quer, do jeito que quer. Lutam sobre a grama verde para defender um time, um grupo, um país, um povo. Alguns seguem as regras do jogo e respeitam seus adversários. Outros não respeitam, cometem faltas graves, ferem e não aceitam reprimendas, cartões amarelos, vermelhos. Não se importam com suspensões, pois no calor da emoção perdem a noção do certo e do errado.

Nem sempre por maldade, mas há também os violentos, estimulados a jogar assim, na brutalidade, a fazer malvadezas, ferir - com cara de não ter feito nada. Atualmente não há um imperador levantando ou abaixando o polegar para a decisão final. Há equipamentos de alta precisão, que em caso de dúvida, decidem, reveem jogadas, mostram detalhes em câmera lenta com muita rapidez facilitando as decisões do juiz.

Regras existem para jogos, regras existem em nome da justiça e da harmonia entre povos, entre pessoas, nas empresas, nas ruas e nas famílias. Há quem crie regras, há quem seja responsável por fazer que sejam respeitadas. Há processos educacionais que estimulam o cuidado, a ética, o bem estar social e coletivo, ações adequadas para resolver questões ambientais e climáticas, inclusão, saúde e compartilhamento da vida.

Nos jogos da Copa do Mundo no Qatar, vemos pessoas de todas as etnias, de todas as cores, religiões e maneiras de viver e de ser. Percebemos também intolerâncias e desconhecimentos da vida em sua pluralidade de manifestações. Podemos nos maravilhar com estádios, cidades, casas e palácios construídos sobre areia e podemos lamentar os pobres que morreram trabalhando para construí-los. Torcemos pelos nossos favoritos, e esse favoritismo é algumas vezes pessoal, individual, outras vezes é coletivo.

Brasil está em campo: alegria, suspense, emoção. Há de tudo rolando nos campos - alegria do gol, tristeza do cancelamento, festa da vitória, cabeça baixa da perda. Nada definitivo ou permanente. A ampulheta continua deixando a areia rolar. Nada permanece o mesmo - tudo está mudando.

E você? Quais suas escolhas possíveis e perceptíveis? Considere cuidadosamente.

MONJA COEN

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