sábado, 10 de dezembro de 2022



10 DE DEZEMBRO DE 2022
CARPINEJAR

Quartas de cinzas

Não procure culpados. Não procure vilões. O futebol é exato. O futebol não permite distrações ou relaxamentos. O futebol derruba unanimidades e instaura mitos improváveis em minutos. A devastação que todo brasileiro sente com a desclassificação da Seleção diante da Croácia é a prova da força desse matemático e insano esporte coletivo. Um coliseu de zebras, não leões, esses animais subestimados que correm 65 km/h como cavalos incansáveis.

Uma disputa racional, cerebrina, de sangue-frio, de concentração, de foco, de semideuses despidos pela soberba. O fato de a Croácia ter empatado nos últimos minutos da prorrogação concedeu a ela a vantagem nos pênaltis. Obteve a superioridade emocional da redenção súbita.

O plantel dos Balcãs sempre se classificou no mata-mata nas penalidades. O Brasil não poderia ter corrido esse risco. É do feitio espartano da Croácia levar o jogo até as últimas consequências psicológicas. Assim, pela segunda vez consecutiva, ela está numa semifinal.

Não foi sorte ou azar, mas mérito do exército de Modric, que buscou se manter vivo até as derradeiras cobranças. Neymar fez um gol de placa, um gol limpando o goleiro em espaço curto como Maradona, um gol que seria consagrador se não houvesse a cedência do empate.

Neymar é um quase herói. Tite é um quase herói, o técnico com melhor aproveitamento da história da Seleção, e justamente quem não levou nenhuma Copa. O quase não será lembrado. O quase não existe. O quase é frustração por trás da derrota. É o adeus da comissão técnica. O adeus do maior goleador em jogos oficiais da Seleção Brasileira.

Parece que é uma geração que ganha quando não precisa e perde quando está valendo tudo. Uma geração certa na hora errada. Em seu histórico, são poucas as derrotas. Mas, das seis parcas em oito anos, três foram na Copa do Mundo e duas, letais.

Não embalamos. Não duelaremos com a rival Argentina de Messi. Richarlison não se tornará artilheiro, Vinicius Júnior não entortará mais ninguém, não dançaremos mais, não dedicaremos o título ao Pelé, Thiago Silva não terá a fotografia levantando a taça, Daniel Alves não encerrará a carreira com o único título que lhe falta.

É o quase. O dolorido quase. O fúnebre quase. Quase lá por quatro vezes nas quartas de final, repetindo a escrita de 2006, 2010, 2018. A quarta quartas de final em que tombamos nas últimas duas décadas. Uma quarta de cinzas. Será o máximo a que podemos chegar? É só enfrentar um gigante da Europa que sucumbimos. Sempre superamos com folga a fase de grupos e as oitavas, mas jamais resistimos ao primeiro grande teste de verdade. O futebol europeu, com a sua retranca, sua posse de bola e seu determinismo técnico, tem o antídoto para a nossa irreverência.

O caminho que era fácil desembocou novamente no precipício. Merecíamos mais ou acabamos consolidando uma média inevitável nas eliminações? O herói que será lembrado é o goleiro Dominik Livakovic, que parou Lucas Paquetá e Neymar em duelos individuais ao longo da partida e ainda defendeu a penalidade de Rodrygo. Não será Alisson.

O herói que será lembrado é o atacante reserva Bruno Petkovic, que nem imaginava que entraria em campo. Não será Neymar. Agora suportaremos quatro anos de luto, esperando não perder mais tempo com amistosos inofensivos.

CARPINEJAR

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