sábado, 4 de janeiro de 2020



04 DE JANEIRO DE 2020
+ ECONOMIA

Conta de ataque pode parar na bomba: ande de tanque cheio

O ataque que resultou na morte do principal líder militar do Irã em Bagdá terá como impacto econômico mais imediato, além da natural reação de estresse no mercado financeiro, uma forte pressão sobre o preço do petróleo e, em decorrência, nos combustíveis. Desta vez, até o presidente Jair Bolsonaro, que sempre diz não entender de economia, captou o tamanho do problema. Na sexta-feira, afirmou, sobre a escalada do conflito:

- Que vai impactar, vai. Agora vamos ver o nosso limite aqui. Já está alto o combustível. Se subir muito, complica.

Complica porque, caso gasolina e diesel subam muito, elevam preços em cadeia. Com a inflação em alta, o governo perde um dos poucos instrumentos que tem para estimular a economia: o juro baixo. Isso sem contar o efeito que altas súbitas de gasolina e diesel têm no humor da população e o risco de nova greve de caminhoneiros.

Antes do ataque, o petróleo havia subido cerca de 4% por causa do aumento da tensão entre Irã e Estados Unidos. Na sexta-feira, depois da ação, o valor do barril do tipo de referência no mercado, o brent, encostou em US$ 70, com aumento de 2,6% em um só dia.

- Vai ser bom para a Petrobras e os produtores de petróleo e ruim para os consumidores de combustíveis - resume João Luiz Zuñeda, sócio-fundador da consultoria de petróleo e petroquímica Maxiquim.

Se será "bom para a Petrobras" vai depender da atitude do governo. Embora a maioria dos economistas não veja condições para alguma intervenção, há uma exceção notável: Adriano Pires, um usual crítico desse tipo de medida (leia entrevista abaixo). Quanto gasolina e diesel vão subir ainda é cedo para saber. Vai depender dos desdobramentos do ataque. Pelas ameaças, um conflito grave pode estar nascendo. O primeiro-ministro do Iraque, Adel Abdel Mahdi, já avisou que a ação dos EUA provocará uma "guerra devastadora".

Analistas são céticos sobre o potencial bélico dos países do Oriente Médio, um devastado por interminável guerra civil (Iraque), outro submetido a sanções internacionais (Irã). Mas como todos aprendemos, qualquer sinal de fumaça no Oriente Médio, centro mundial de produção de petróleo, leva fogo às bombas de combustíveis. Na dúvida, mantenha o tanque cheio.

“Não pode passar tudo ao consumidor”
ADRIANO PIRES, Diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura

Com a carreira marcada por pesadas críticas a intervenções do governo na Petrobras, Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), está tão preocupado com as consequências do ataque que resultou na morte do principal líder militar do Irã em Bagdá (Iraque), que defende "medidas extraordinárias". Caso a cotação do petróleo chegue a US$ 90 por barril - cenário que contempla uma guerra de fato ou, o que considera mais provável, o fechamento do Estreito de Ormuz (única ligação entre o Golfo Pérsico e os oceanos, por onde passa todo o tráfego marítimo dos principais países exportadores de petróleo) -, a estatal não deveria repassar toda a alta, sugere Pires.

SEM REPASSE

"Se for a US$ 90 (a cotação de referência do petróleo), o governo não vai poder passar tudo para o consumidor. Eventos extraordinários exigem políticas extraordinárias. É bem diferente de quando o preço sobe por questões de mercado. Não se sabe o que pode acontecer."

USO DE ROYALTIES

"A Cide não pode ser usada porque foi deturpada pelo PT. Mas com o aumento da produção no Brasil, quando sobe o preço do petróleo, a arrecadação de royalty aumenta. Esse acréscimo poderia ser usado, de alguma forma, para formar um fundo de estabilização. Por um tempo, enquanto durasse o impacto, depois compensaria. Isso deveria ser estudado com calma. Já houve o ataque na Arábia Saudita no ano passado, neste ano esse conflito entre um grande produtor de óleo e a maior economia do mundo. O Brasil deveria se mexer para criar um mecanismo para que esse tipo de evento geopolítico não provoque impactos tão sérios na economia do país."

RISCO PARA O ANO

"Começamos o ano com o pé esquerdo. Ninguém sabe o que vai acontecer, será necessário encontrar um caminho. Temos de um lado o governo iraniano, focado em questões religiosas, ideológicas, e, do outro lado, um cara que não é nada normal. Há dois polos irracionais. Caso o (presidente dos EUA, Donald) Trump não faça declarações malucas e se o Irã tiver bom senso, podemos sair com poucos estragos. Mas isso pode ser pouco realista. Em três ou quatro dias será possível ver para onde vai. Se a temperatura não subir, ótimo, se subir, não se sabe onde pode chegar."

MARTA SFREDO

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