sábado, 11 de janeiro de 2020


11 DE JANEIRO DE 2020
CARPINEJAR

Quem ama trai?

Talvez esta seja a questão mais recorrente no amor, o ser ou não ser dos casais, a pedra de toque das dúvidas de relacionamento.

O raciocínio é se o companheiro ou a companheira traiu significa que não amava.

A perspectiva é errada porque envolve o passado. Como se a infidelidade tornasse uma mentira tudo o que foi vivido de feliz, com o entendimento de que a traição é um sinal de hipocrisia, de que a pessoa fingiu e mentiu o seu sentimento durante toda a convivência.

Os laços não eram tão fortes, por isso ela falhou e cedeu aos encantos de um terceiro elemento fora do romance. Na hipótese de uma devoção sincera, nada disso aconteceria.

Mas não é bem assim que funciona. O extremismo não corresponde à realidade. A tentativa de esclarecer o que faz alguém pular a cerca e a vontade de criminalizar o seu ato embaralham a verdade.

A partir do envolvimento extraconjugal, o amor começa a acabar. Começa a ser demolido. Começa a ser banal. Começa a ser falso.

O amor de quem? De quem foi corneado.

A relação não terá mais a aura romântica de algo especial e único. A lealdade, até então telepática, exigirá provas. Não existirá confiança para partilhar segredos e solicitar conselhos.

Quem trai não significa que não amou ou que não ama, o que importa é que ele assumiu o grande risco de não ser mais desejado pela sua companhia. Interfere no presente, jamais desmancha as lembranças e fotografias até o momento.

A formulação precisa, então, é: quem trai não será mais amado como antes. Ele pode até continuar gostando, mas perderá a correspondência cega e irrestrita do outro. Será posto em xeque, em dúvida, toda a jura perderá o valor e toda presença física passará a ser vista como um blefe.

O traído é que modifica o seu amor mais do que quem traiu. Aquele que não errou é que sofre e se vê transformado pela descoberta.

Não haverá o encantamento natural e a admiração que sustentavam a amizade. A exclusividade desapareceu pela profanação da intimidade. O toque trará asco, a conversa provocará nojo, o telefone gerará paranoia. Não haverá idêntica liberdade para suportar defeitos e manias. Sem cumplicidade, morre também a tolerância. Quem trai pode seguir amando, só que é pedir demais ser amado de volta.

CARPINEJAR

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