sábado, 9 de abril de 2022


09 DE ABRIL DE 2022
FRANCISCO MARSHALL

FILISTEUS!

Em meados do século XII a.C., ocorreu no Mediterrâneo a Catástrofe, a maior quebra na história da civilização, uma crise, por incrível que pareça, ainda maior do que a eleição do miliciano em 2018. Foi processo com muitos fatores, que levaram à queda de impérios e à perda da escrita, da arte, da arquitetura, das relações internacionais e de estilos de vida sofisticados, que hoje conhecemos pelas arqueologias de Creta e de outros sítios da Idade do Bronze. 

Sucederam-se então mais de 300 anos sem o esplendor de outrora. Além da crise ambiental e de novas tecnologias mudando as relações sociais, houve migrações que desacomodaram populações; pressionados, alguns grupos partiram do Mar Egeu no rumo do Oriente (os Povos do mar), entre os quais, os filisteus, que aportaram na costa Sul do Levante (Galileia). Consta que outros filisteus, figurativos, chegaram também a Porto Alegre, onde ora regalam-se como porcos na lama. Quem são, antigos e modernos filisteus?

Não sabemos como os próprios filisteus se designavam (seu endônimo), mas uma palavra comum foi usada por egípcios, assírios, gregos e hebreus para designar o povo que chegara àquele teatro da civilização. No Museu de Israel, em Jerusalém, vê-se como os filisteus revolucionaram a cultura regional, com sua linda cerâmica pintada. Esse povo sofisticado, de origem indo-europeia, tornou-se o principal oponente dos hebreus, como aparece nas fábulas bíblicas de Sansão (filisteu) e Dalila e de David e Golias. Ao final do século VII a.C., os filisteus sucumbiram à conquista babilônica e desapareceram; há quem os relacione aos modernos palestinos, pela similaridade do nome e outros fatores políticos, mas isso é improvável.

No final do século XVII, em meio a uma intriga, estudantes da Universidade de Jena (Alemanha) passaram a chamar o povo da cidade de filisteu (Philister), com desdém. Desde então o uso figurativo difundiu-se para indicar pessoas que não compreendem arte, boa música, literatura e o conhecimento. Sim, você imagina que Elenão seja filisteu, mas isso lembra da injustiça de difamar aquele povo culto só por seu conflito com indígenas semitas, pois, afinal, os filisteus não eram filisteus! Quando passamos para o uso figurativo, porém, o bom Aurélio esclarece o que é filisteu: "Burguês de espírito vulgar e estreito". Assim fica fácil chegar a Porto Alegre, não?

Aqui falta Dalila para podar a juba de filisteus que entopem a cidade de prédios anglófonos, destruindo o patrimônio dos tempos em que esta era uma urbe charmosa, machucando a orla, devorando área pública, e sobram filisteus para venerar o estômago e dar-lhe altares na área em que já muito brilharam e podem brilhar as artes: o Cais do Porto, ora reduzido a barzinhos, ou no que foi o orquidário da Redenção, ou o antigo Ginásio da Brigada, que cedem terreno de flores e esportes para você já pode imaginar o quê - comilões forrarem pança, com as bênçãos de governantes e especuladores pobres de espírito. Eis os filisteus do lago Guaíba, aviltando uma cidade que pode ser bela.

Porto Alegre, diz um filho teu: nós podemos muito mais, sempre.

FRANCISCO MARSHALL

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