sábado, 3 de julho de 2021


03 DE JULHO DE 2021
FLÁVIO TAVARES

SURDEZ PERIGOSA

A surdez humana é um acidente fisiológico, tem causas diversas e pode afetar qualquer um, sem nada destruir. A surdez política, porém, é um crime histórico que permanece durante anos, afeta várias gerações e pode perpetuar-se, até.

Digo isto em função do crime histórico que, talvez sem perceber, cometeu a Assembleia Legislativa, dias atrás, ao aprovar o projeto de lei 260, que permite a venda e utilização de agrotóxicos proibidos nos próprios países de origem. Por 37 a 15 votos, a maioria de nossos deputados revelou surdez profunda e não ouviu as advertências de médicos, agrônomos e agricultores (feitas em audiência pública) sobre o perigo de liberar pesticidas proibidos até nos países onde se desenvolveram.

Tudo tem um começo e a surdez teve início no governador Eduardo Leite, autor do projeto de lei que a maioria do Legislativo aprovou. Na audiência pública, apenas um produtor rural manifestou-se pela liberação dos pesticidas proibidos, mesmo assim dizendo-se preocupado com seus efeitos. Outras duas dezenas (de especialistas em saúde até agrônomos) apontaram os malefícios e perigos, tanto na ingestão de alimentos quanto na lavoura em si.

Ouvir e cotejar argumentos em audiência pública é a forma profunda que leva a evitar erros e, assim, é o instrumento a guiar quem nos governa. Busca evitar que as leis futuras nos levem a um pântano sem fim, no qual nos afundemos por ignorar o perigo.

A lei gaúcha vedando o uso de agrotóxicos proibidos na própria origem é de 1982 e foi alterada, agora, sob o pretexto de nos equiparar aos demais Estados. Assim, deixamos de ser "modelo a toda terra", como diz o Hino Rio-Grandense e passamos a meros papagaios repetidores de perigosos sons alheios.

Na área federal, o perigo se transforma em absurdo ético-moral, como mostra a CPI do Senado em torno do desdém no combate à covid-19. Surge agora um fato novo e aterrador - a pandemia serviu à corrupção, mostrando que o presidente Bolsonaro nada fez para impedir um suborno bilionário na compra da vacina indiana, sobre o qual conheceu as suspeitas por antecipação.

O presidente não utiliza máscara protetora em aglomeração pública (e já disse que ela "irrita e inibe o usuário") mas, agora, terá caído a máscara de honestidade usada na campanha eleitoral?

Assim disse o deputado federal Luis Miranda, um ex-bolsonarista, hoje decepcionado com o antigo líder, que nada fez em torno da suspeita que levou ao presidente. Aí, a surdez não triunfou.

FLÁVIO TAVARES

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