sábado, 10 de julho de 2021


O NEVOEIRO

Muitas são as denominações e tanto podemos dizer nevoeiro quanto neblina, névoa, bruma ou cerração. As diferenças são sutis e confundimos umas com outras no inverno úmido de agora. Até as consequências maléficas se igualam: dificultam ou impedem a visão e afetam o dia a dia.

Agora, o nevoeiro chega perigosamente à política. Na última quarta-feira, 7 de julho, noticiários da TV reproduziram estarrecedoras ideias do presidente da República pronunciadas nas "redes sociais". De um lado, Bolsonaro disse ter "indicações precisas" de que houve "fraudes" na eleição presidencial de 2014 e que Aécio Neves venceu, não Dilma Rousseff. De outro, afirmou que, não havendo uma reforma eleitoral que evite "essas fraudes", o derrotado no pleito de 2022 poderá não reconhecer o resultado oficial.

Sem mostrar sequer indícios das "fraudes" (nem as de 2014 ou as futuras de 2022), Bolsonaro lançou bruma espessa que desemboca numa pergunta: tentará, assim, preparar a opinião pública para um golpe de Estado se ele próprio não for reeleito?

Os horrores que a CPI do Senado vem desvendando sobre a corrupção na compra de vacinas anti-covid 19, levaram os jornais a ignorar as alegações do presidente nas tais "redes". Sim, pois a CPI mostrou um tresloucado conluio que encheu o país de nevoeiro denso: um cabo da Polícia Militar vendendo vacinas por intermédio de coronéis (da ativa ou da reserva) que assessoravam o general Pazuello, então ministro da Saúde. Tudo desembocou na prisão do ex-chefe de logística do Ministério da Saúde por "perjúrio", ou reles mentira.

Quando o presidente da CPI, senador Omar Aziz, acusou "o setor podre das Forças Armadas" de participação no horror das vacinas, os comandantes militares reagiram como se a acusação atingisse os militares, mesmo dirigida aos "podres". Tudo pôs mais gasolina ao fogo e o nevoeiro se encheu de fumaça, impedindo ver o Brasil inteiro.

A pandemia complicou ainda mais a inércia de quem (como Bolsonaro) mostra-se um desbocado, sem prestar maior atenção aos problemas concretos. Temos 14 milhões de desempregados (mais de três vezes a população do Uruguai), sobrevivendo de migalhas, enquanto os bens vitais encarecem, mas o presidente da República se preocupa, quase só, em exibir-se de motocicleta, como se fosse eficiente entregador de pizza a domicílio.

A propina de um dólar por dose, num total de US$ 400 milhões, será inocente? Ou tapam o horror como o nevoeiro tapa a visão e fecha aeroportos? 

FLÁVIO TAVARES 

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