sábado, 3 de setembro de 2022


03 DE SETEMBRO DE 2022
BRUNA LOMBARDI

VOCÊ GOSTA DE SILÊNCIO?

Sabe o que é o silêncio? É a gente mesmo, demais?

Essas sabedorias, preciosas e miúdas, percorrem a obra de Guimarães Rosa. Ele observa as coisas mais simples com grandeza, aponta a nossa natureza e a matéria de que é feita nossa alma. Recentemente, uma tia minha, muito querida, partiu aos 93 anos da maneira mais serena possível. Foi lúcida e sem nenhuma doença. Apenas fez a passagem.

Como disse lindamente o escritor Agualusa: "...foi desaparecendo aos poucos, como um arco-íris se dissolvendo no céu?"; Postei no meu Insta @brunalombardi suas últimas fotos e um vídeo, onde juntas olhávamos o pôr do sol. Minha tia dizia que a coisa mais bonita e importante da vida é o silêncio. E eu, quieta ao seu lado, a escutava comovida.

Somente na nossa própria quietude somos capazes de ouvir nossa voz interior. A voz do coração é a nossa conexão mais profunda. A nossa escuta é uma arte, e se é difícil aprender a escutar os outros, imagina conseguir ouvir a si mesmo?

O silêncio nos leva a um mergulho profundo dentro de nós, nos faz olhar pra dentro, o que não é uma coisa fácil. Na verdade, é uma das mais difíceis e corajosas aventuras.

Aventurar-se no fluxo dos sentimentos, das sensações, das emoções que nos assombram e tantas vezes nos dominam exige muita força de vontade. Existe tanta coisa para ser descoberta no silêncio. Tantas razões que a nossa razão não compreende, lógicas que não resistem à sensatez, raciocínios que nós mesmos distorcemos sem perceber.

E se o silêncio nos proporciona essa conexão profunda, por que o evitamos? Por que uma grande maioria não suporta o silencio?

Vivemos num tempo do excesso de tudo. Estamos mergulhados dentro dessa ininterrupta centrífuga de informações, notícias, entretenimento, ofertas, onde tudo se mistura, onde se vive de extremos. Estamos nadando contra a corrente e tentando não se afogar.

Tudo se embaralha e nos acelera numa busca incessante de estímulos, cada vez mais intensos e fortes. Precisamos do barulho em volta de nós, quanto mais, melhor. Gente falando alto, música alta, TV ligada, tudo nos atrai e nos distrai.

Nossa atenção está cada vez mais fragmentada na rapidez do feed das redes sociais, numa confusão de imagens e assuntos que ter déficit de atenção é inevitável.

Assim vamos ficando amortecidos, anestesiados e temos necessidade de doses cada vez maiores. E tudo é muito e tanto e ao mesmo tempo e agora.

Vivemos na ilusão de participar desse agito, dessa balada num ritmo frenético, dessa dança, dessa festa, desse avanço tecnológico, numa velocidade impossível de acompanhar.

Estamos correndo atrás, ansiosos, perturbados, criando uma sequência infinita de desejos inalcançáveis. Inventamos consumos e acúmulos e com eles, ansiedade, ressentimentos, decepções e frustrações.

E disso tudo fazemos um embrulho indigesto, tóxico e nocivo, que fica em algum lugar guardado dentro de nós. Esse é um dos mecanismos que nos desconecta do que somos, da nossa essência. Precisamos do silêncio pra nos limpar de tanta intoxicação. Precisamos escutar nós mesmos, demais?

BRUNA LOMBARDI

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