10 DE SETEMBRO DE 2022
LEANDRO KARNAL
Se o seu Ensino Médio foi bom (e a lembrança dele persiste), o nome do nobre francês Laplace está na memória. Há mais de dois séculos, o pensador estava absorvido por um desafio em plena era napoleônica. Se eu dominasse todas as massas, forças, resistências, direções e densidades dos materiais, eu conseguiria um universo previsível? Nada mais típico do século 19 do que tentar matematizar o cosmos. O positivismo e o marxismo possuem essa ansiedade em comum: a leitura científica e exata de tudo é capaz, inclusive, de prever o futuro.
O desejo é aceitável e justo. Um bom jogador de xadrez tenta estabelecer e antecipar respostas no tabuleiro. Quantas mais ele conseguir antever, maior será seu sucesso no jogo. Uma vida "à Laplace" seria mais eficaz?
A dúvida está no questionamento de Ivan Ilitch, a personagem de Tolstoi. Ele fez tudo certo, mediu todos os passos e, mesmo assim, ficou diante do acaso infeliz no fim da sua vida. O desafio do acaso ou, para usar termo mais atual, do randômico é um obstáculo aos adeptos de Laplace e, inclusive, aos algoritmos. Como eu digo algumas vezes, um avião, quando cai, leva à morte quem controlou ou não o colesterol ruim.
De um lado, o espírito do aristocrata francês antevendo e gozando as delícias de um mundo de laboratório com balanças de precisão e "condições normais de temperatura e pressão"; de outro lado, o mundo real...
No ano de 1812, quando Laplace pensava isso, Napoleão estava à frente de um imenso exército para punir a Rússia. Sabemos do destino gelado do plano do Corso. Um gênio estratégico, o general Bonaparte, avançando em passo militar firme. Ao fundo, uma música kitsch contemporânea: "que será, será...". Previsibilidade versus fatalismo, ciência contra o aleatório: eis o diálogo universal e permanente.
Um engenheiro estuda resistência de materiais. A fadiga do concreto é avaliada. Os dados objetivos e matemáticos servem para comprovar a ciência: bem orientada, a racionalidade diminui muito o acidente contra a, digamos, "pretensão" científica, o chamado efeito borboleta. Cada variável nova, mesmo que infinitesimal e mínima, detona consequências imprevisíveis. Se assim não fosse, a medicina seria uma ciência exata; criar filhos poderia tornar-se uma equação estável com variáveis controláveis. O corpo humano tem interações imprevisíveis infinitas. O corpo dos filhos é ainda mais instável. As reações emotivas de alguns adolescentes não poderiam ser contidas por uma matriz de uma rede de supercomputadores do MIT. Temos de aceitar o caos como parte da existência. Desde 1961, fala-se no "efeito borboleta". Criarei um termo novo a partir do belo coletivo do inseto delicado: "efeito panapaná".
Antes se falava que uma borboleta batia suas asas, e um tufão se formava do outro lado do mundo. Hoje, um panapaná se agita e provoca muitas alterações, inclusive sobre outros insetos que passam a se agitar na reação em cadeia do caos.
Arrisco-me com exemplo político em tempos minados. Vamos lá. O presidente Lula terminou seu segundo mandato com popularidade muito alta. O público consagrava seu governo nas pesquisas de opinião. Fez sua sucessora. Dilma não apresentou o mesmo índice. Quando foi afastada do poder, no meio do segundo mandato, arrastou parte do prestígio do Partido dos Trabalhadores. A eleição de Bolsonaro no oposto do espectro político parecia sepultar a estrela do PT. Houve um momento em que a maior cidade governada por esse partido foi Rio Branco, no Acre.
A instabilidade do panapaná sempre ocorre. Livre da cadeia e inocentado de muitos processos, Lula voltou ao páreo na disputa pela benevolência do eleitorado. A popularidade de Bolsonaro oscilou bastante, o mesmo ocorrendo com a de Lula. Houve borboletas e mariposas adejando em gabinetes de ódio.
O que buscam tantos insetos de direita e de esquerda? Buscariam o centrão? Temos de pensar que uma borboleta almejar o cargo de presidente deveria ser submetida a uma investigação psiquiátrica. A família da borboleta será investigada e surgirão fatos obscuros. Se não existirem, serão criados. O salário não é bom. O poder é limitado por contrapesos e verbas consignadas. As borboletas donas de banco possuem mais poder que a arquiborboleta do jardim do Planalto. O palácio borboletal não é o mais confortável do mundo. O prestígio vem acompanhado de muito desgaste. Há quem já tenha dito não poder mais tomar um caldo de cana, algo básico para as borboletas comuns.
Laplace não estudou as borboletas. Elas são imprevisíveis e, talvez, irracionais. Geralmente temos raiva delas. Talvez devêssemos ter mais compaixão. Podem ser apenas mariposas, morrendo ao se baterem contra a luz que nunca atingirão. Alguém tem esperança de entender essa busca? São insetos estranhos os políticos, mas seríamos flores dóceis a servir-lhes de alimento? O exame psiquiátrico deveria ser para candidatos ou também para eleitores?
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