sábado, 9 de outubro de 2021


09 DE OUTUBRO DE 2021
CRISTINA BONORINO

SETENTA

Há quase 30 anos ensino que, durante uma epidemia, o principal objetivo, depois de desenvolver uma vacina, é chegar aos 70% da população vacinada. Ali você começa a finalmente controlar a disseminação da doença na população. Então, é com um coração mais leve que escrevo hoje, logo depois de ler notícias de que Porto Alegre atingiu os 70% de vacinados (acima de 12 anos).

E, das diferentes cidades do Rio Grande do Sul, do Brasil e do mundo, por onde tenho amigos espalhados, que não vejo há quase dois anos, vêm notícias de números cada vez menores de casos e mortes. Sim, ainda precisamos vacinar as crianças, ainda precisamos usar máscaras, manter distância sempre que possível e dar reforços aos idosos e aos que tem doenças crônicas. Mas é inegável que o cotidiano começa a se transformar. Não necessariamente para o que era antes - mas algo que pode, e quer, ser melhor.

Curiosamente, a principal batalha não foi de saúde pública, e sim a enxurrada de mentiras e falsidades de um movimento anticiência, perpetuado pelas redes sociais. Essas empresas gigantes, os apps do seu celular, que sem nenhum critério, sem nenhuma fiscalização, são tão responsáveis pelas mortes no mundo quanto o vírus, junto com os que criaram as notícias falsas.

No dia em que o Facebook e suas outras redes caíram, sinceramente: que alívio. Quase um dia inteiro sem precisar desmentir alguma infâmia - serviço que tenho feito há 18 meses, em contato direto com diferentes veículos de comunicação. Desconfio seriamente que, ao desligar o botão do WhatsApp que abre e baixa vídeos e áudios, você automaticamente ganha vários pontos de QI. Experimente. E, apesar dos danos causados pela turma do "vamos criar um caos que assim a gente se dá bem", vejo uma vontade de pensar um futuro diferente se desenhando na maioria das pessoas.

Como se chama o governo do Estado lançar um edital de milhões de reais para tecnologias inovadoras? Um começo. O que significa a Moderna anunciar uma fábrica de vacinas de mRNA na África? Fazer a coisa certa. Entre as duas iniciativas, existe um universo de distância, mas dá para traçar uma linha. Que conecta os efeitos positivos de se conseguir atravessar uma crise. Que se traduz numa vontade, numa esperança que renasce, de ousar mirar pra Lua - o moonshot, como se diz. Algo que parece inatingível - e que ao mesmo tempo sabemos ser possível.

Mas propagar e trazer para o mercado os resultados de pesquisas revolucionárias não garante o futuro. Nunca estaremos seguros sem estimular a ciência básica - aquela que garante que o conhecimento avança, movida apenas pela curiosidade e persistência daqueles que têm essa vocação.

Meu agradecimento e admiração eternos a todos os cientistas que não desistiram durante esse período, quando toda a esperança parecia perdida. Principalmente, aos brasileiros - que foram completamente abandonados e sucateados pelo atual governo, numa política constante de destruição das instituições públicas e de toda a iniciativa de educação e pensamento. Só hoje, desenhando florezinhas ao redor de um número 70 e um sinal de porcentagem, me permito pensar que talvez tudo, afinal, possa dar certo.

CRISTINA BONORINO

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