sábado, 5 de outubro de 2024


05 de Outubro de 2024
INFORME ESPECIAL - Rodrigo Lopes

Direto de Tel Aviv

A mesa posta

Se há um símbolo universal, acima das rivalidades religiosas, políticas e culturais, este é a mesa. A mesa posta pelos pais à espera dos filhos que irão chegar de viagem. A mesa onde saboreamos a comida feita com carinho. A mesa sobre a qual oferecemos o melhor vinho aos amigos. Sim, a mesa é mais que um amontoado de tábuas, comida e bebida, copos e pratos. Nela construímos memórias.

Em Tel Aviv, a mesa está posta, com toalha branca, louça requintada, taças bonitas, para os cerca de 250 reféns tomados pelo grupo terrorista Hamas em 7 de outubro de 2023. Construída no largo em frente ao Museu de Arte, a obra impacta, entretanto, pelo vazio. Está tudo pronto. Mas falta o principal: as pessoas.

Ao caminhar pela praça gerenciada pelo coletivo Fórum dos Reféns, criado um dia depois do massacre, levamos um soco no estômago a cada olhar: além da ausência como cerne da mostra artística na mesa vazia, há um grande coração em vermelho pulsante acorrentado. Tem também um bebê prisioneiro em seu próprio berço. E há um túnel, que busca reproduzir as catacumbas do Hamas, em Gaza. À medida que se adentra no espaço, uma confusão de sentimentos afloram: claustrofobia, umidade, medo da escuridão. O som dos nossos passos se mistura com a música que vem de um piano, mas logo é suplantado pelo barulho de tiros e explosões nos alto-falantes.

Depois de fazer a curva no túnel, quando vi a claridade lá fora, pensei no inevitável clichê: apesar de tudo, há luz no fim do túnel. Senti o prazer da liberdade - e me senti culpado por isso. Saí, na verdade, com o coração acorrentado. _

Impacto psicológico

Um ex-militar que a coluna conversou, este com experiência em Gaza, faz uma avaliação sobre as mortes dos oito soldados no Líbano, no primeiro dia de ações terrestres no país vizinho para neutralizar combatentes do Hezbollah:

- Israel está desacostumado a perder soldados. Estará preparado para quando começarem a morrer outros jovens? - ponderou.

Diferentemente da ação na Faixa de Gaza, após o massacre de 2008, quando foi empregado grande efetivo, dessa vez, Israel adota ações com pequenas unidades, que ficam cara a cara com a força de elite do grupo terrorista Hezbollah, a chamada Força Radwan:

- Todos se orgulham do Domo de Ferro (o eficiente sistema antiaéreo israelense). No Líbano, para soldado, não tem (sistema de defesa). É disparo de morteiro a toda hora. _

O dilema do druso

A coluna também conversou com um druso que integra as forças israelenses na fronteira Norte.

Ele é oriundo do vilarejo de Majdal Shams, nas Colinas de Golã, onde um foguete caiu, em julho, matando 12 pessoas, entre elas crianças. O governo israelense responsabiliza o Hezbollah pelo ataque.

Dispersos por vários países do Oriente Médio, como Síria e Líbano, os drusos que vivem em Israel podem optar por servir ou não ao Exército. O soldado conta que não veste o uniforme em sua vila e tinha receio de que os pais o vissem como traidor. Outro dilema: um druso israelense pode acabar enfrentando um druso sírio ou libanês, e, por força da missão, acabar matando alguém do mesmo grupo. 

Em menos de 12 horas, brasileiros que vivem no Líbano foram da esperança à frustração diante do adiamento do voo da FAB, que pousaria no aeroporto de Beirute nesta sexta-feira para retirar os cidadãos da guerra.

Nessryn Khalaf foi acordada pela irmã, Amanda, às 4h da madrugada. A embaixada brasileira em Beirute enviou uma mensagem convocando os inscritos a estarem em frente ao prédio diplomático ao meio-dia desta sexta-feira. Nessryn, Amanda e a mãe, Nádia Gomes Jebai, deixaram a capital libanesa no fim de semana, em uma fuga desesperada diante dos bombardeios israelenses à capital. Se refugiaram em Faraiya, nas montanhas, 46 quilômetros ao norte de Beirute.

Quando chegou a mensagem da embaixada, Nessryn viveu um sentimento ambíguo. O pai, Ayman Khalaf, não poderá embarcar. Pretende ficar no Líbano para cuidar de sua mãe, Dibe Achour, que tem câncer.

- É um sentimento muito estranho, complexo, porque meu pai vai ter de ficar para trás. Não está indo para o Brasil com a gente. Minha vó está doente, é libanesa, tem câncer, não caminha, não tem nem passaporte. Não teríamos como tirá-la daqui. Meu pai vai ter de ficar para trás para cuidar dela - contou.

Nessryn continua:

- Estamos felizes em poder voltar para o Brasil, mas é muito difícil deixar meu pai para trás, porque não sabemos se ele vai conseguir sobreviver.

Nesta sexta-feira, a família voltou para Beirute.

- Agora, estamos em uma região bombardeada anteontem. É bem perigoso, mas estamos aguardando, porque meio-dia temos de estar em frente à embaixada - contou, ainda sem saber do adiamento do voo.

Notificada, a família decidiu voltar para as montanhas - são 45 minutos de carro entre Farayia e Beirute. Agora, elas esperam a repetição da cena da madrugada passada, quando uma mensagem de celular significou, por algumas horas, o alívio. _

Relato de um combatente

A coluna conversou com um militar israelense que atuou por dois meses nas operações contra o Hezbollah na fronteira com o Líbano. Antes, ele havia participado das missões na Faixa de Gaza no ano passado. Por questões de segurança, pediu para não ser identificado.

"Ficamos dois meses em uma base de artilharia. No Norte foi muito mais perigoso do que na Faixa de Gaza. Era míssil toda hora caindo, tínhamos de ficar em bunker. Foi uma temporada bem ruim. Caíam drones em cima da gente. Certo dia, um submajor viu os drones voando, saiu correndo, tropeçou e caiu. Os drones caíram em cima dele, mas não explodiram. Foi um milagre ter saído vivo. 

Naquele final de semana, eu estava em casa. Quando voltei para a base, como no caminho o sinal de celular é fraco, mandei uma mensagem para um amigo: ?Vai me avisando, caso houver algo (outro ataque), eu paro na estrada e espero passar?. Enquanto íamos, ele falou: ?Parem, estão vindo mísseis, estamos indo para os bunkers?. Depois de meia hora, ele disse que estava tudo ok. 

Quando estávamos chegando, ocorreu outro ataque. Ele correu para o bunker, só que, dessa vez, não conseguiu me enviar mensagem. O que eu temia aconteceu: cheguei na base, abriram o portão, e só deu tempo de o soldado falar: ?Corram para o bunker que está tendo ataque aéreo?. No horizonte, eu ouvia barulho dos mísseis caindo e se aproximando da base. Um míssil caiu 40 metros de mim. A sorte é que, atrás, havia uma grande cobertura de terra. Saí correndo para entrar no bunker. Foi a pior experiência. O que não passei em Gaza, sofri no Norte. 

A pior temporada da minha vida. Eles (o Hezbollah) atiraram mais de 40 mísseis de pequeno porte sobre a minha base. E caíram ao norte. Ou seja, erraram. Se tivessem acertado, minha base teria sido destruída. O Norte foi uma experiência horrível. A Faixa de Gaza é perigosa dentro, mas o Norte é uma fronteira mais ampla, tem muito mais área com civis. É muito drone caindo, mísseis do tamanho de um ônibus caíram na frente da minha base." 

INFORME ESPECIAL

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