sábado, 15 de novembro de 2025


15 de Novembro de 2025
MARCELO RECH

O buraco era mais embaixo

Fui entender a relevância do Brasil no cenário ambiental do planeta quando, em fevereiro de 1992, percorrendo a linha de frente na Guerra da Iugoslávia, uma equipe de TV da Croácia pediu para fazer uma entrevista comigo. Ao me posicionar diante da câmera, imaginei que iriam tentar extrair algo sobre como os brasileiros acompanhavam o conflito, mas a primeira pergunta foi:

- Por que o Brasil está queimando a Floresta Amazônica? - questionou a repórter.

Ahn, como assim? Eles estão numa guerra e a preocupação é com a floresta do outro lado do mundo?, surpreendi-me.

Foi minha iniciação ao planeta interconectado. Meses depois, ao cobrir para Zero Hora a Cúpula da Terra, a Rio-92, testemunhei a foto de 108 chefes de Estado - George Bush e Fidel Castro no mesmo plano, separados por uns 10 metros - em defesa da mesma causa. Com tal demonstração de unidade, não tem como dar errado, imaginei.

Santa ingenuidade. Por ressaca ou saturação, a questão ambiental submergiu por anos após a Rio-92. Mas nem tudo foi em vão. O conceito de sustentabilidade se expandiu a partir da conferência, embora até ali o desafio imediato fosse conter o desmatamento e lidar com a destruição da camada de ozônio. As incipientes mudanças climáticas já eram associadas aos efeitos dos gases estufa. Um deles, o CFC, usado em aerossóis e em refrigeração, era uma foice pairando sobre o pescoço dos terráqueos.

O tema era tão recorrente que, em dezembro daquele mesmo 1992, retido em Punta Arenas, no Chile, à espera da melhora do tempo para um pouso com a FAB na Antártica, resolvi, junto com o fotógrafo Luiz Armando Vaz, investigar as consequências do buraco na camada de ozônio no extremo sul das Américas. Saímos de lá com uma reportagem em ZH sobre o efeito do CFC sobre a pesca da centolla, um caranguejo gigante típico das águas geladas da Terra do Fogo.

Hoje, o buraco, com perdão do mau trocadilho, é bem mais embaixo. Graças à substituição do CFC, a camada de ozônio está aos poucos voltando ao normal. Felizmente, já nem se fala muito dela. Só que o efeito estufa em decorrência do CO2, o dióxido de carbono, se agravou de maneira dramática. Acordos de Kyoto, de Paris, disso e daquilo, não revertem a expectativa de que a temperatura mundial subirá 2,8ºC até o fim do século, com consequências impensáveis.

Como agravante, surgiu um oceano de negacionismo, descrédito e desprestígio entre o Rio de 1992 e a COP de Belém. Em três décadas, as conferências sobre o clima se converteram em happenings ambientais, com escassos efeitos práticos sobre realmente aquilo que interessa: a preservação da saúde da Terra. Já não há mais tempo para sermos incrédulos ou ingênuos. _

MARCELO RECH

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