
15 de Setembro de 2025
CARPINEJAR
O fim do mundo chegou
Espiritualmente, a sensação é de fim de mundo. Estamos tão estremecidos que nem reparamos no quanto nos tornamos desumanos. No início do século passado, o bardo inglês T. S. Eliot vaticinou o nosso esgotamento no poema Os Homens Vazios: o mundo termina não com um estrondo, mas com um suspiro.
Não são as bombas que vão exterminar a espécie, mas a ausência de compaixão. O suspiro de que fala Eliot seria a mais profunda resignação. O completo conformismo. A inércia da cordialidade. A passividade atroz do amor ao pior. Quando banalizamos a maldade e nos acostumamos à violência.
Assim como ninguém ouve o suspiro, a extinção também passa invisível, imperceptível.
Não nos damos conta de que o Apocalipse vem acontecendo. Já superamos as sete cartas, os sete selos, as sete trombetas, os sete flagelos. Já não há mais como conviver. Já não há nem o código de decência entre os desafetos.
Não mais toleramos as diferenças. Não mais conseguimos conversar. Basta a pessoa se encontrar ideologicamente no campo contrário que logo é demonizada, cancelada, perseguida, linchada. Não se medem esforços para apagá-la em definitivo. A polarização roubou a harmonia dos contrários.
Não importa se a vítima é pai, mãe, filho, esposa, marido, jovem, idoso, trabalhador, virtuoso, só se é de esquerda ou de direita.
O debate público não tem mais a abstração plural de ideias, tudo é levado para a intimidade, para a ponta da faca, para o descrédito da privacidade, para a agressão à família. Não se vê mais fidalguia entre opositores com aperto de mão, naquela admiração pela retórica, pela argumentação de pontos de vista antagônicos.
Lembro a postura de Leonel Brizola, que se digladiava com fúria com Antonio Carlos Magalhães no fim dos anos 80 e início dos 90. Quando descia da tribuna, ele não deixava de cumprimentar o rival. Teria dito, de forma anedótica: "Política se faz no plenário, mas respeito é pessoal". O trabalhismo e o coronelismo sabiam se comunicar.
Ou a transição de governo do tucano Fernando Henrique Cardoso ao petista Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003. Apesar da dura campanha anterior, FHC recebeu Lula no Planalto e conduziu uma cerimônia excepcional, elogiada internacionalmente, sem criar obstáculos administrativos. Lula, por sua vez, afirmou que herdava um país estável economicamente graças ao Plano Real e chegou a destacar José Serra, o candidato derrotado: "Foi um adversário leal".
Ou o exemplo do saudoso Ulysses Guimarães, na disputa pela Presidência da República no Colégio Eleitoral (1985). O líder do MDB pegava pesado com Maluf, expoente do PDS, mas Ulysses sempre reconheceu publicamente a astúcia e a inteligência política de Maluf.
Hoje vigora um ódio brutal, sem limites, uma selvageria que despedaçou a educação e os bons modos. São bolhas virtuais furando as demais bolhas, num sabão pegajoso de enxofre. Liberdade de expressão se transformou em sinônimo de ataques, de calúnia, de difamação. O fair play foi abolido mesmo nas doenças e nas perdas.
Agora nem a morte do outro é poupada. Velórios e enterros viraram comícios e carnavais da oposição. Festejam-se assassinatos e atentados, chacinas e massacres.
Escuta-se com horror o coro da carnificina: "já vai tarde".
O silêncio sagrado do pesar, os pêsames com os enlutados, a reverência à finitude desapareceram. Não sobrou nenhuma pedra ética da civilização.
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