
Professor associado na Harvard Medical School (EUA)
"Não devemos proibir totalmente os celulares nas escolas"
Professor associado na Harvard Medical School, Michael Rich é reconhecido por seu trabalho como pediatra e pesquisador de saúde infantil. O norte-americano é um dos convidados do 17º Congresso Brasileiro de Adolescência, que se encerra neste sábado, em Porto Alegre
Fernanda Polo
Você sustenta que o uso problemático de smartphones, tecnologia e internet por crianças e jovens é muito mais sintoma do que causa de condições como TDAH, ansiedade social, autismo ou depressão. Por quê?
A razão pela qual digo isso é porque já atendemos centenas de crianças na Clínica de Mídia Interativa e Distúrbios da Internet do Hospital Infantil de Boston. Todos eles chegaram com problemas com jogos, redes sociais, pornografia ou até mesmo o que chamamos de compulsão informativa, que são os vídeos intermináveis do YouTube, Reddit, Quora. E, curiosamente, ainda não encontramos nenhum que não tivesse um desses motivadores psicológicos para esses comportamentos. Concordo plenamente com Jonathan Haidt (autor de A Geração Ansiosa) que essas condições se exacerbam, aceleram e amplificam no ambiente digital. Mas não acho que o ambiente digital esteja causando isso.
Eu também, francamente, concordo plenamente com a premissa de que as crianças não estão brincando o suficiente. Que elas estão substituindo as brincadeiras por celulares. A diferença é que não devemos ter medo de celulares. Quero trazer a responsabilidade do jovem ou da família que o cerca, para realmente ajudá-los a entender como usar essas ferramentas poderosas de maneiras eficazes, conscientes e saudáveis. E esta é uma das razões pelas quais acredito que não devemos proibir totalmente os celulares nas escolas. Mas as escolas deveriam ensinar as crianças a usar esses celulares de forma eficaz, assim como ensinamos a usar computadores ou até mesmo lápis e papel. Porque se não as ensinarmos, elas aprenderão sozinhas. E será uma anarquia completa, como está agora.
Quais são as maiores preocupações em relação ao uso da tecnologia por crianças e adolescentes hoje?
Estamos seguindo três alvos móveis: o desenvolvimento humano desde a infância até a idade adulta; o ecossistema digital em constante e rápida evolução que está afetando esse desenvolvimento e o refletindo; e a mudança de todo o nosso comportamento, porque temos smartphones em nossos bolsos ou wearables e estamos constantemente em contato. Uma das preocupações que tenho de forma bastante pontual agora é o surgimento da IA, em particular em que você pode criar um bot de bate-papo ou um avatar e fazê-lo interagir com você. A IA é muito, muito inteligente, mas não tem empatia, não tem senso de compaixão humana.
O que ela substitui por isso é a bajulação, ela diz o quão inteligente você é, maravilhoso, bonito. E o que acontece é que os jovens se apaixonam pelos bots de bate- papo de sua própria criação. E isso ensina que relacionamentos são fáceis, que é apenas alguém que te adora, não importa o que aconteça. Temos que lembrar que os jovens ainda estão em transição da infância, do pensamento mágico de que a fantasia é tão poderosa como a realidade, mas eles ainda precisam desenvolver um conjunto completo de funções executivas, como controle de impulso e pensamento futuro, que eles não desenvolverão até meados ou final dos 20 anos.
Você não vê apenas pontos negativos nos celulares e na internet. Quais são os benefícios?
Uma das razões pelas quais estou preocupado em não proibirmos as crianças de usar a internet ou os celulares é que existem muitos subgrupos que são historicamente marginalizados. Crianças LGBT+, de diferentes raças, etnias, religiões, que não têm um grupo físico com o qual se identifiquem ou uma tribo, podem encontrar seu povo online, pessoas online que os veem, os ouvem, os afirmam e até os amam. E isso é algo que não queremos perder. Queremos poder apoiar isso, porque é uma das grandes coisas que a internet fez. A internet também ajudou na saúde física quando as pessoas a usam da maneira certa, com suas maneiras de organizar atividades físicas ao ar livre entre si. Mas precisamos ajudá-los a usar essas ferramentas como ferramentas, e não como um fim em si mesmo.
Você defende mínimos diários sem tela.
Com certeza. Acho que é muito mais fácil fazer isso intencionalmente do que contar o tempo de tela. Porque sim, existem aplicativos no seu celular que informam quanto tempo de tela você passa no seu celular, mas não quanto tempo você passa no seu laptop, no seu tablet, na televisão e nas telas que estão em todos os ambientes em que vivemos. Então, acho que precisamos passar tempo uns com os outros, cara a cara, na natureza, no ambiente em que vivemos.
Quais tratamentos são recomendados na Clínica para Transtornos de Mídia Interativa e Internet?
O mais importante é identificar com o jovem qual é a sua dor. Geralmente, quando ele chega, os pais o arrastam e dizem que ele está jogando videogame o tempo todo. E a criança diz: "Ah, todo mundo faz isso. Qual é o problema?" Muitas vezes pergunto às crianças qual é a sua dor e elas dizem que é a mãe ou o pai. Uma das coisas que eu faço é pedir aos pais que parem de policiar e comecem a apoiar o sucesso. Em outras palavras, pare de ficar dizendo para desligar o vídeo e isso e aquilo, e apoie o uso desses dispositivos para fazer a lição de casa, pesquisar, aprender sobre o mundo. O garoto chega e espera que eu basicamente passe uma receita ou me livre do Xbox ou do smartphone.
E o que fazemos é ajudá-los a estruturar o dia e a estarem atentos sobre como eles usam seu tempo para reconhecer que não existe multitarefa, que nosso cérebro humano só funciona em um canal por vez e que estamos trocando rapidamente de tarefa quando achamos que estamos fazendo multitarefa. Nós os encorajamos a, conscientemente, se afastarem das telas por um tempo, mas não dizemos para pararem. Uma das coisas que as motiva não é apenas o medo de perder algo, que todos nós temos, mas o que eu chamo de medo de ser deixado de fora. Acho que, muitas vezes, é muito útil para as crianças se uma comunidade escolar ou qualquer outra puder se reunir e decidir: todos nós vamos ficar offline a partir de um certo momento. Embora eles não consigam imaginar desistir sozinhos, quando você faz isso em grupo, é bem possível.
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