
Vermelho de vergonha no T2
O T2 é uma linha de transporte coletivo das mais longas de Porto Alegre, da Zona Norte à Zona Sul, fugindo do Centro, ligando Petrópolis a Navegantes. Veio a ser meu ônibus predileto para grandes percursos, pois eu só gastava uma passagem para atravessar a cidade. Embarcava na parada da Carlos Gomes.
Num domingo, eu me dirigia até a Barão do Amazonas. Visitaria um colega para fazer trabalho de geografia e montar as cartolinas (com moldes vazados de letras) da apresentação sobre savanas, que aconteceria na manhã seguinte.
Absolutamente distraído com o calendário esportivo do rival, eu me fardei com a camiseta do Internacional, que tinha vencido no dia anterior. Subi no ônibus vazio pela porta de trás - nos anos 1980, era assim. De repente, começou a entrar uma multidão de torcedores gremistas.
Suei frio, vermelho de vergonha. Cometi uma gafe indesculpável na sobrevivência Gre-Nal da capital gaúcha. Não percebi que o veículo passaria pela Azenha, onde se encontrava o Olímpico. Não me atentei para o horário do jogo do Tricolor.
A turba exibia dotes eufóricos de uma escola de samba, batucando o teto e batendo os pés com os hinos das arquibancadas. A cada curva, jurava que viraríamos. Uma trepidação terrível. Ouvia-se um "oh" de quem gostava da emoção do embalo.
Atravessei a catraca e sentei na janela. Busquei ser invisível, como se pudesse desaparecer por telepatia, fingindo que admirava a paisagem. Mas um engraçadinho logo apontou para mim:
- Olha um colorado cara de pau aqui. A massa desandou a gritar: - Tira, tira, tira! Achei que queriam me enxotar dali. Porém, o apelo se mostrava ainda mais constrangedor: exigia um striptease.
Criou-se uma roda ao meu redor, tornando-me alvo de xingamentos e brados intermináveis. Uma verdadeira chuva de perdigotos.
O líder me puxou pelo braço, eu me converti em cabo de guerra, empurrado de um lado para o outro, sem ter como me equilibrar ou me apoiar na barra. O povo enlouquecido agarrava a minha gola. Esticava o tecido. Tentava rasgá-lo no meu próprio corpo.
- Tira, tira, tira! Não sobrou alternativa senão tirar, e permanecer de peito nu na viagem. Houve uma comemoração de gol. Não esperava o sadismo do cobrador. Ele me observou, refém da situação, indefeso, e não sentiu pena de mim, nem um pouquinho de compaixão da tocaia, apenas ordenou:
- Não dá para ficar no ônibus sem camiseta. Desce!
Fui obrigado a obedecer, e realizar o resto do trajeto a pé. Saí cambaleando nos degraus, segurando com firmeza o meu manto com a mão, todo esfarrapado, evitando que os torcedores o arrancassem de mim - não duvidava que acenderiam uma fogueira com ele ali mesmo.
Eles cantavam, debochados: "Até a pé nós iremos para o que der e vier?". Com a minha saída forçada, houve a comoção do segundo gol. Já parecia ovação de título.
Na época, tinha a certeza de que aquele cobrador era gremista. Eu berrava para ele: - Sacana! Hoje, com o distanciamento da lembrança, penso que ele era colorado e inventou um artifício para me salvar. _
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