sábado, 2 de agosto de 2025


02 de Agosto de 2025
CARPINEJAR

Quando o artista é impostor de si mesmo

Saiu uma série sobre Raul Seixas na Globoplay, extremamente fidedigna à metamorfose ambulante da história do cantor, desde a infância em Salvador (BA) até a morte em São Paulo (SP), aos 44 anos, em 1989, já corroído pelo álcool e pelas drogas.

O protagonista é o gaúcho Ravel Andrade, porto-alegrense, irmão do também ator Júlio Andrade. Ele pega emprestada a alma do roqueiro baiano, sem caricatura, e acompanha fase a fase da evolução do personagem - contrastando a época careta como produtor e a psicodelia de suas experiências transcendentes. Trata-se de uma reencarnação descomunal: a trama revive a condição contraditória, convincente, desesperadamente humana do músico, expondo seus dilemas entre a loucura e a lucidez, entre a vontade de ser um bom pai e o ímpeto de entrega a novos romances, entre a sede do sucesso e a necessidade do anonimato, entre o tempo com a família e a pregação da sociedade alternativa.

Um dos oito episódios destaca um fato pitoresco da biografia do Pai do Rock. No fim da carreira, debilitado pelo vício, Raul foi fazer um show em Caieiras, no interior de São Paulo, em 1982. Diante da voz castigada, o público começou a vaiá-lo e a agredi-lo, arremessando latas de cerveja e jurando que quem estava no palco era um sósia.

Ninguém acreditava que ele fosse o verdadeiro artista. Chegaram a pedir a prisão do "impostor". Sem contar com sua carteira de identidade na hora, Raul Seixas terminou na delegacia buscando provar, inutilmente, sua autenticidade.

Tal trauma anedótico me pôs a pensar nas dificuldades e constrangimentos que os famosos enfrentam. Eles não têm a paz da rotina, de uma vida normal. Não desfrutam dos desejos e arroubos comuns a todos. São ETs caçados por paparazzi.

Não transitam impunemente, tanto fisicamente quanto na web. Inclusive, existe um lugar em que não há como entrar: no Tinder ou nos demais aplicativos de paquera. A celebridade terá que ficar reiterando que é ela a cada contato. Não conseguirá convencer a sua interlocução.

Imagine se você encontrar Alessandra Negrini por lá. Ou Cauã Reymond. Ou Bella Campos. Aposto que concluirá que é alguém tentando se passar por eles. Nem levará a sério. Sentirá pena do falsário.

Mesmo mandando fotos, documentos, jamais receberão credibilidade. Qualquer um pode catar imagens de gente ilustre à paisana nas redes sociais.

Serão zombados, identificados como fakes. A virtualidade não é cupido para eles. Famosos não dão match. Suas contas verificadas são sempre postas, ironicamente, sob suspeita no cotidiano. Sofrem da solidão do selo azul.

Unicamente o amor à moda antiga funcionará: a discrição do olho no olho, longe do algoritmo.

O que explica a paixão de cativeiro. Celebridade costuma se casar com celebridade. Só serão críveis e reais entre si. 

CARPINEJar

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