sábado, 16 de agosto de 2025


16 de Agosto de 2025
MARCELO RECH

É muito feedback

Se há uma coisa que aprendi na vida, é que acreditamos de pés juntos que o elogio a nós sempre é verdadeiro e sincero. Já a crítica... Penso nisso porque estamos vivendo uma epidemia de feedbacks. O anglicismo, você sabe, escalou para o topo das vidas corporativas pelos idos dos anos 1980. Até aí tudo bem. As avaliações periódicas fazem parte da rotina de quase todo empregado.

O problema é que o feedback agora se imiscui de uma forma enlouquecida nas nossas vidas. Você mal bota o pé em terra, a companhia área pede uma avaliação - e até o nome de algum funcionário que você queira destacar. Bonito isso, mas, se bobear, passo a noite respondendo a questionários. Você fica uma hora pendurado no celular da operadora e a moça simpática pede que você permaneça na linha para responder à pesquisa. Como registro em duas notas que a atendente era gentil, mas não adiantou nada?

Outro dia, fui a um restaurante e, antes que pudesse pagar a conta, o garçom, muito cortesmente, me alcançou um tablet para preencher o questionário. Se eu disser não, serei grosseiro? Então, melhor permanecer sentado e digitar minha avaliação. A apresentação do prato estava boa? O tempo de atendimento foi o esperado? O que mais você teria a dizer? Que só quero pagar e ir embora, tenho vontade de escrever.

Como o Google Maps me rastreia, ele sabe que acabei de sair do posto de gasolina. Em cinco minutos, me confronta com uma pergunta sobre minha "experiência". Você se hospeda em um hotel e o aplicativo quer o review. Se você o ignora, ele segue te perseguindo até você dar a sua nota e, se possível, escrever um comentário. Você toma uma cerveja? Review. Viu um filme? Mais review. Leu um livro? Fez uma compra? Parou no estacionamento? Socorro! Todos querem meu feedback sobre tudo. Conheço gente que se nega a fazer qualquer avaliação. Eu não sou esse rabugento. Se quero que o serviço melhore, entendo que devo colaborar. É uma forma de cidadania instantânea.

Mas aí surgem questões éticas. Eu não minto, mas sou sempre 100% sincero? Quanto um mísero detalhe ocasional influencia minha irritação ou satisfação? Todo mundo acredita em elogio, mas para uma empresa a crítica vale mais, porque é ela que ajuda a corrigir um processo torto. Só que o outro lado está pronto para ouvir minha avaliação negativa e consertar o que está errado?

Outra: tem muito review fake ou distorcido por aí. O sujeito bota um produto para vender na internet e pede para amigos e parentes elogiarem. Como avaliações e comentários realmente influenciam negócios, era óbvio que surgiria o feedback de aluguel. Pior mesmo foi o aviso que li de uma dona de imóvel para alugar por aplicativo: "Se você for fazer uma crítica, dispenso. Não precisa se hospedar aqui". Um caso extremo de sincericídio. Eu fora. Obrigado pelo feedback. _

MARCELO RECH

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