sábado, 2 de agosto de 2025


02 de Agosto de 2025
MARCELO RECH

To LFV, with Love

Como bom cinéfilo, Luis Fernando Verissimo seguramente assistiu nos idos de 1968 ao filme Ao Mestre, com Carinho, no qual um brilhante e jovem ator negro, Sidney Poitier, interpreta um engenheiro nascido na então Guiana Britânica que acha trabalho como professor numa escola barra-pesada do East End de Londres.

Para mim, o filme traz a mais bela música-tema da história - To Sir, with Love, cantada por Lulu. É só ir no YouTube para concordar ou não. A produção inglesa é sobretudo uma ode à missão de ensinar e sobre como um mestre pode influenciar positivamente vidas alheias - no caso, uma turma rebelde e rabugenta.

Lembrei de Ao Mestre, com Carinho ao topar com uma antiga crônica de Luis Fernando Verissimo na enciclopédica e histórica edição de 100 anos do jornal O Globo no domingo passado. Ali, entre as 548 páginas do jornal, reencontro uma amostra da genialidade criativa de Luis Fernando, que foi colunista de O Globo e de Zero Hora. Na crônica In English, LFV redige metade do texto em inglês "porque acho que a imprensa brasileira tem o dever patriótico de passar a usar uma língua que o FMI entenda" e avisa que só vai voltar a escrever em português no caso de palavras intraduzíveis, como "marketing".

LFV é um mestre. Ele é do tempo em que catalogávamos jornalistas, cronistas e escritores dizendo "Fulano é um grande texto", uma expressão que caiu em desuso porque parece não ser muito apreciada pelos algoritmos. Em textos de humor, um estilo difícil porque sempre ameaçado pela pieguice, não há quem bata LFV no Brasil, e olha que passou por aqui muita gente boa, como toda a turma do Pasquim.

Posso ser suspeito porque, como colega, editor e leitor, tive o privilégio de acompanhar grande parte da trajetória de Luis Fernando, com suas milhares de crônicas, personagens e tiradas memoráveis. Duas delas para recitar de supetão: ressaca de gim é um dos poucos casos em que a medicina permite a eutanásia e 1987 foi tão inexpressivo que as pessoas só vão lembrar do ano porque foi quando deu maconha em lata na praia.

Mais uma lição: LFV é de uma geração de gaúchos que, como diria David Coimbra, outro grande texto, se aparafusou em Porto Alegre, sem precisar migrar para Rio ou São Paulo para ser lido e reconhecido - tal e qual seu pai, Erico Verissimo, aliás. Luis Fernando provou (concordam, Peninha, Carpinejar, Martha Medeiros e tantos outros?) que a aldeia pode ter suas limitações, mas não sufoca a inspiração. O mestre LFV é um destes gauchinhos metidos que colocaram o nariz no mundo, mas sempre voltaram para conviver com seus conterrâneos e, de alguma forma, nos ensinar a sermos mais civilizados. Então, "To Luis Fernando, with Love". 

MARCELO RECH

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