
25 de Agosto de 2025
CARPINEJAR
Paulo Coelho na fila de mendigos
Em O Mago, biografia de Paulo Coelho escrita por Fernando Morais (Editora Planeta, 2008), consta a descrição de um episódio decisivo na trajetória do autor brasileiro mais lido e mais traduzido do mundo.
Ele já foi um mendigo na fila de Irmã Dulce, em Salvador. Tinha escapado do sanatório psiquiátrico aos 19 anos, ao lado de um interno, sem nada nos bolsos, somente com a roupa do corpo. De carona, ambos viajaram para a Bahia. Penaram com fome, dormiram na rua, sobreviveram de esmolas e sobras de lixo, até que não lhes restou saída a não ser pedir socorro à Padroeira dos Pobres.
Paulo suportou uma longa romaria de horas, de pé, na obra social instalada no bairro de Roma, nas dependências do convento e do hospital que ainda estavam sendo erguidos na época, e conseguiu se aproximar dela. Recebeu um prato de sopa quente e os olhares úmidos da beata magra e franzina, de 1m48cm.
Ela perguntou do que mais precisava. Ele respondeu: voltar ao Rio de Janeiro. Irmã Dulce alegou que não tinha dinheiro, apenas palavra. E palavra, garantiu, durava mais. Pegou papel e caneta e anotou: "Vale dois bilhetes de ônibus para o Rio". Carimbou com o selo das Obras Sociais e assinou.
Paulo acreditou no manuscrito, que guarda como relíquia até hoje. Apresentou-o a um motorista na rodoviária no Largo dos Dois Leões. O condutor sequer questionou a autoridade moral daquelas linhas: ordenou que a dupla embarcasse.
Nesse momento, Paulo experimentou sua virada de chave. Talvez tenha sido um dos milagres silenciosos de Irmã Dulce, que se tornaria a primeira santa do Brasil. Desde então, não foi posto novamente em camisa de força pelos pais. Havia fugido da terceira internação, em que sofrera choques elétricos e tratamento desumano.
Respirou sua arte sem a censura e o tolhimento familiar. Pôde enfim levar uma vida autônoma, mergulhando no jornalismo e no universo do teatro e da música. Viria a ser parceiro criativo de Raul Seixas, mudando a cena roqueira com as letras de Sociedade Alternativa e Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás. Em seguida, começou a apostar em sua carreira solo literária, publicando sua trinca de grande sucesso: O Diário de um Mago (1987), O Alquimista (1988) - que venderia mais do que O Pequeno Príncipe - e Brida (1990).
O que o destino dá, o destino devolve.
Consagrado como escritor de brilho planetário, com 350 milhões de livros comercializados, vertido para 88 idiomas e presente em 170 países, transformou-se em um dos mais generosos benfeitores das obras de caridade de Irmã Dulce.
- Doei a quem me deu de comer - afirmou Paulo Coelho. E não se tratava simplesmente de pão, mas de outro alimento: o da alma, feito dos nutrientes eternos da confiança, da fé, da esperança.
Paulo e Dulce nunca mais se viram pessoalmente. Não foi necessário. Na gratidão, é possível repetir o encontro incansavelmente na memória. _
CARPINEJAR
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