
A chuva de prata
Todo mundo xingou a chuva de prata no início do confronto com o Flamengo, pelas oitavas de final da Libertadores, na noite de quarta-feira, em que o Colorado voltou a ser freguês do Flamengo de Filipe Luís, desta vez por 2 a 0, no Beira-Rio.
Nem o meteorologista Cléo Kuhn previu essa geada lenta e inesperada em Porto Alegre. Dizem que foi um erro da organização, que era para ter sido lançada em caso de avanço para as quartas.
Intencionalmente ou não, as toneladas de papel picado tomaram o gramado. Geraram 20 minutos de atraso e pânico na equipe de funcionários do estádio para tentar tirar o excesso. Eu testemunhava aquela chuva cair e achava linda, diferentemente da opinião da maioria.
Foi o único momento bonito do Inter. O único momento em que brilhamos. O único momento de poesia. O único momento de esperança. Parecíamos River, Boca. Beira-Rio virava Monumental de Núñez, La Bombonera. A cortina de flocos lembrava o brado guerreiro da Argentina, dos santuários vizinhos, a bênção do alto a um exército de garra, afinco, entrega.
Eu vivenciei o que era comemorar uma vaga, mesmo tendo sido por engano. Experimentei esse prazer por alguns instantes.Se não fosse fora de hora, não aconteceria. Desfrutei da oportunidade de uma festa antes, porque depois seria impossível. Uma vibração de soberania e alívio a que não estamos mais habituados. Uma alegria que já não sabemos como é.
Já culpamos o juiz, o VAR, o excedente de calendário, a parada do Mundial, as lesões, a disparidade de investimentos dos rivais. Agora, só o que faltava: condenar a chuva de prata pelo mau desempenho?
Ela não pode ter esfriado os atletas, pois jamais foram quentes. Jamais entraram em campo. Estou aguardando até hoje. Cadê o meu Inter campeão do mundo? O que fizeram com o meu Inter?
Foi um lampejo de folia, de Carnaval. Aqueles confetes iluminavam o céu como nunca mais tínhamos visto. Atingiam com facilidade o gol, do qual nossos jogadores não conseguiram nem chegar perto durante 90 minutos - e durante dois jogos.
A chuva de prata deu uma goleada no Flamengo. Soterrou o elenco de estrelas. Só ela se mostrou implacável. O Inter não. Pelo contrário: a escalação titular descansou para fracassar melhor. Um time de níquel que não exibiu nenhuma cintilação. Desprovido do argento da técnica, da combatividade. Um time apático, dominado, paralisado, desentrosado, com falhas bisonhas e básicas, que não merecia o apoio de 43 mil torcedores que gritaram sem parar, que ficaram sem dormir, que transformaram a Padre Cacique em ruas de fogo.
Com um técnico sem reação, que não aproveitou a valiosa chance na carreira, que sacou os mais determinados em campo - Bruno Tabata e Alan Rodríguez. A torrente laminada se provou mais real do que os efeitos especiais dos discursos otimistas das coletivas. Enfeite era o Inter. De papelão era feito o Inter. Tombamos em casa mais feio do que fora, veja que ironia.
Não é que o Flamengo está numa prateleira acima. Estamos a sete palmos do chão. Enterrados há muito tempo. O ano acabou novamente em agosto. É a 13ª eliminação dessa direção. Nem de demitir o treinador ela é capaz, porque sugere que não tem dinheiro para contratar outro. Gastou tudo com contratações equivocadas.
Das suas últimas oito partidas, Roger acumulou cinco derrotas, dois empates e uma vitória, com duas desclassificações seguidas (Copa do Brasil e Libertadores). Tem um mísero motivo para permanecer?
Mas pode ser pior. O risco é sucumbir para Cruzeiro ou Palmeiras longe do Beira-Rio, ou tropeçar diante da torcida com Fortaleza ou no clássico Gre-Nal, e se enrascar no Z-4 do Brasileirão.
No fim, sentiremos saudade da chuva de prata, nossa rara trégua de fulgor e beleza.
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