
Os tiranetes não passarão
Em 22 de fevereiro de 1988, o presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, abriu uma votação histórica para que o Brasil decidisse se marcharia em paz rumo ao futuro ou ficaria preso à guerra política e ao risco de confronto armado entre cidadãos brasileiros, que nas décadas anteriores havia enlutado famílias de civis e de militares.
O país havia passado, em 1979, por uma anistia ampla, geral e irrestrita afiançada pelo então presidente da República, João Baptista Figueiredo. Último general-presidente a exercer o poder desde o início do regime civil-militar instaurado em 1964 com o apoio de governadores e de jornais influentes, Figueiredo sofria pressões, de dentro e de fora da caserna, para que o projeto de anistia não incluísse Leonel Brizola.
O jornalista Alexandre Garcia, porta-voz da Presidência da República na época, conta que Figueiredo foi muito claro - ou a anistia valeria para todos, de ambos os lados, ou não valeria para ninguém. Testemunha vivíssima daqueles dias tensos, Alexandre relata que Figueiredo e Brizola firmaram um pacto de honra em que cada um trataria de controlar os seus radicais para tornar possível a reconciliação. Ambos cumpriram a palavra, e os crimes cometidos por militares, e pelos oposicionistas que optaram pela luta armada e por ações terroristas, foram anistiados.
Por baixo das cinzas do pacto de 1979, porém, ainda restaram brasas de ressentimento dos dois lados. E elas reacenderam na já mencionada sessão que Ulysses presidiu, em 1988, para dar os contornos finais ao texto que estabeleceria, na nova Constituição da República, os limites e possibilidades da concessão de anistia. O que seria aceitável anistiar, no futuro? O que não seria?
Carlos Alberto Caó, ativista do movimento negro e filiado ao PDT de Brizola, propôs que crimes políticos não fossem excluídos da possibilidade de anistia pelo Congresso Nacional. Tudo se resolveu no voto. E, por 281 a 120, Caó conseguiu retirar do projeto de texto constitucional a proibição de anistia para "a ação de grupos armados, civis e militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático". Entre os votos favoráveis à tese reconciliadora de Caó figuram Lula, Fernando Henrique Cardoso, Michel Temer e Mário Covas, entre outros.
Portanto, a atual proposta de anistia ampla e sem exclusões, que retroceda a 2019, marco inaugural do ditadura do Supremo Tribunal Federal, é plenamente aceitável à luz da Constituição Federal e é de competência exclusiva do Congresso Nacional. Assim decidiram os constituintes de 1988. Negar esta obviedade, como tentam fazer Gilmar, Moraes, Barroso e Dino, é rasgar a fantasia de juristas e assumir a identidade de tiranetes.
Não passarão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário