
Lotação remodelada
Acreditava-se que os aplicativos de corrida matariam o táxi, mas atingiram mesmo a lotação.
Ela garantia um preço intermediário entre o ônibus e o táxi, e atendia lacunas de rotas, horários e regiões de menor demanda. Quem buscava um pouco de conforto, rumo ao trabalho, encontrava seu refúgio na tradicional frota laranja, com uma listra em azul-marinho.
Por um longo tempo, fui adepto incondicional de seu serviço na disputa por um dos 21 assentos. Minha linha era a João Abbott, que cobria as ruas internas de Petrópolis e me levava ao Centro. Eu acabava sendo um dos últimos passageiros - aquele que dormia na janela, que dependia de um cutucão para não perder o destino. As cortinas marrons-escuras possibilitavam uma irresistível atmosfera onírica de quarto fechado.
Quando as pessoas estavam muito atrasadas, recorriam a esse meio mais acessível, que trafegava fora dos corredores.
Entre as mordomias do transporte, em comparação com o ônibus: ele não parava somente na parada. Você subia de onde estivesse e descia onde desejasse, dentro do itinerário fixo. Poderia ser apanhado ao caminhar pelo bairro. Bastava levantar o dedo. No meu caso, eu ficava a uma esquina de minha residência. Andava a pé uma única quadra.
O veículo disponibilizava ar-condicionado, enquanto o padrão ainda se resumia ao vidro aberto. Dava para se sentir em um shopping nos dias escaldantes de verão. Não havia cobrador: o motorista descontava a passagem no momento em que você se preparava para sair. A ausência de roleta simbolizava um tratamento personalizado. O pagamento se estabelecia na confiança. Vigorava uma relação de credibilidade. Alguns quitavam o bilhete antes para não sofrer com o troco depois.
Com a concorrência digital, no início do Uber há 10 anos - principalmente na fase romântica da sua implementação, com balas e água, porta do carro aberta, pinta de chofer, tudo por menos de R$ 10 -, sua clientela se dispersou, rareou, desapareceu. Não se obtinham as mesmas vantagens do custo-benefício.
A facilidade de ser pego em casa pelo Uber instaurou seu período de ostracismo. Ninguém mais queria correr atrás do micro-ônibus. Tornou-se um ídolo sem fãs, de plateia vazia. Criado em 1977, com heroicas kômbis que buzinavam para atrair curiosos, parecia ter entrado em extinção.
A escassez das cédulas e moedas agravou o seu isolamento. Preferiam-se deslocamentos a partir do cartão de crédito cadastrado.
Num movimento de resgate de uma época de ouro, a Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (SMMU) pretende ressuscitar o táxi-lotação em novo formato. Até o nome será diferente: Serviço de Transporte Público Coletivo Complementar de Passageiros, instituído por decreto publicado no Diário Oficial da cidade (Dopa).
Com o valor da tarifa em R$ 8 - três reais a mais do que o ônibus -, mas com a comodidade própria de uma van, a lotação terá apoio logístico para recuperar seu protagonismo no cenário urbano e afetivo da Capital. Quem sabe a nostalgia não atraia de volta os seus velhos seguidores, como eu, agora com o uso moderno do Pix?
O que não pode é haver demora na transferência de cada usuário, aguardando a bendita confirmação para seguir adiante, sob o risco de a lotação se transformar num pinga-pinga. Aliás, oferecer internet durante a viagem é uma alternativa para revitalizar o setor e acelerar o desembarque. _
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