segunda-feira, 20 de outubro de 2025


20 de Outubro de 2025
CLÁUDIA AITANO

Valeu tudíssimo

Agora que a novela terminou, todo mundo já sabe quem não matou Odete Roitman: o merchan.

As inserções publicitárias não foram inventadas ontem (o termo em inglês para novela, "soap opera", vem exatamente dos comerciais de sabão veiculados nos intervalos dos folhetins radiofónicos nos anos 1930), mas Vale Tudo deve ter batido um recorde histórico em termos de tempo dedicado a anúncios dentro de uma trama de ficção.

Nos últimos capítulos, quando a maioria dos personagens já não tinha o que fazer em cena, o amaciante, o carro chinês e a pomada contra assaduras ganharam protagonismo inédito. (Raquel, coitada, chegou a ganhar nos bastidores o apelido de "garota do merchan".) Teve delivery de bebidas dentro da suíte presidencial do Copacabana Palace, coquetel com os convidados segurando garrafas de refrigerante em vez de copos, bilionária usando cremes de marca popular. Valeu tudíssimo.

Na planilha de Excel, foi um sucesso absoluto - não só para a emissora, que há anos não faturava tanto com uma telenovela, mas para as mais de 20 marcas que colocaram seus produtos em evidência no horário nobre. Funcionou também o cruzamento entre os anúncios que rolavam em cena com aquilo que era postado nos perfis pessoais dos protagonistas - um ótimo negócio para atores e atrizes obrigados a fazer bico como influencers para continuar na profissão.

Nessas plataformas, a gente sabe, nem sempre é fácil distinguir o "conteúdo orgânico" de um "publi" - ou seja, um post com uma opinião franca sobre um produto de um comentário patrocinado por um anunciante. Nas redes sociais, é tudo junto e misturado mesmo, com o algoritmo forçando a barra para que o usuário seja mais exposto à publicidade do que a qualquer outro tipo de conteúdo. É essa lógica que parece ter tomado conta da novela das oito, com cada fiapo de história servindo de pretexto para um anúncio - sem falar daquelas cenas que, não contribuindo em nada para o andamento da trama, só estavam lá em função do produto sendo vendido.

Talvez ficção e publicidade fiquem cada vez mais indistintas na televisão. Talvez Odete Roitman volte em breve, em uma nova série ou filme, apenas para encomendar uma rodada de chope do Zé Delivery. Vale tudo, eu entendi, mas acho uma pena. Para boa parte dos brasileiros, a telenovela é a única dose de fantasia consumida com regularidade. O merchan excessivo, sem critério, tosco, desrespeita aquele espectador que gostaria de poder colocar a vida real em suspensão, pelo menos por alguns minutos, sem ser interrompido a todo momento por uma conversa aleatória sobre sabão em pó. _

CLÁUDIA AITANO

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