segunda-feira, 20 de outubro de 2025



20 de Outubro de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Respostas capitais

"Foi um apagão, sim. Mas não teve causa estrutural". Nivalde de Castro - Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenador do Grupo de Estudos sobre o Setor Elétrico (Gesel)

Há quase um ano, Nivalde de Castro alertava nesta coluna para os riscos do excesso de subsídios à energia solar. A ameaça se concretizou com a necessidade de corte na oferta de energia limpa em um país que ainda convive com apagões como o que ocorreu há poucos dias. Castro frisa que não há riscos sistêmicos e que não há conexão entre os dois temas. Vê na redução que dá estabilidade ao sistema um remédio amargo para "as dores da transição".

Como havia alertado, estão sendo feitos cortes em geração solar. Não foi possível evitar?

Esse crescimento acelerado foi motivado, em grande parte, por subsídios que permitem ofertar contratos no mercado livre com tarifa mais baixa. Quando se constrói fazenda solar ou coloca placas voltaicas em casas, a oferta é ampliada. E isso não é monitorado pelo ONS (Operador Nacional do Sistema). É uma mudança de paradigma da metodologia de operação do Sistema Interligado Nacional (SIN). Há mais oferta sem aumento de demanda. Por isso, é preciso cortar geração. O ONS está perdendo a capacidade de operar o sistema porque as fontes eólica e solar só funcionam quando tem vento ou sol. Então, o ONS só pode determinar o despacho (ordem para produzir) de hidrelétricas e termelétricas.

Há sentido na crítica sobre o resultado líquido ser mais energia "suja" e menos limpa?

Não, porque o ONS precisa das térmicas para o ajuste. A variável independente é a demanda. Não pode chegar aqui na minha casa e dizer "corta aí a tua demanda (consumo de energia)". Quando começa a escurecer, a produção de energia solar desaba. Aí, tem de puxar geração térmica, notadamente se os reservatórios estiverem baixos. Está emitindo? Está, mas 90% do que o Brasil produz é renovável, e o mundo gera 85% não renovável.

Preocupa o ONS perder a capacidade de gerir o SIN?

Isso é consenso, o próprio ONS reconhece. Cada painel (fotovoltaico) que entra na rede de distribuição fica fora da capacidade técnica do ONS de operar, não tem nem equipamentos. Sempre foi assim, mas a rede de distribuição só consumia energia elétrica. Agora, está produzindo. E a demanda prevista cai, porque existem os autoprodutores.

Como se resolve?

O mundo felizmente identificou que o aquecimento global é um grande problema e precisa ser resolvido. Um componente é o consumo de energia de fontes não renováveis, que geram gases de efeito estufa. É preciso descarbonizar, e o setor elétrico tem papel estratégico nessa transição, com a produção de energia eólica e solar. Quando entram, vão mudando o paradigma. São as dores do processo de transição, que trazem problemas novos. Estamos gerando energia limpa, mas tendo de cortar. Quem não conhece vê um absurdo, mas é preciso cortar porque cresceu muito, por ser mais barato e porque teve muito subsídio. A solução, primeiro, é que esses cortes sejam rateados por todos os produtores. Quem apostou tem um risco comercial, vai deixar de ganhar, mas está sendo feito de forma assimétrica. Estruturalmente, precisamos de sistemas de armazenamento. Aí, quando sobra, carrega a bateria. Quando começa a anoitecer, liga e evita a termelétrica. Outra solução é trazer grandes consumidores de energia, como data centers para inteligência artificial e produção de hidrogênio verde.

? De um lado, há cortes na oferta, de outro tem apagão. Há ligação?

O conjunto de redes que forma o SIN tem cerca de 180 mil quilômetros (4,5 vezes a volta da Terra), com linhas de tensão de 230 a 800 quilovolts. É uma complexidade fantástica. São 250 mil megawatts (MW) de potência. Quando houve o apagão, às 2h, só rodavam 72 mil MW. A demanda cai muito à noite. Quando acontece um problema em linha de transmissão com a de Bateias, de 500 kV, para de escoar energia. As linhas de transmissão são como autoestradas de energia. Como é uma estrada importante, quando dá problema, é preciso cortar o fluxo. A montante, ou seja, para trás, tem de pedir para as usinas pararem. E à jusante, à frente, orienta para cortar porque não tem energia para mandar. Só que como o sistema é interligado, ocorre o chamado efeito dominó. São procedimentos previstos no Esquema Regional de Alívio de Carga, o Erac.

É impossível evitar apagões, como disse o ministro?

Sim, porque se acontece um evento extremo como esse, em que um reator de uma subestação de 500kV pega fogo, tem de desligar. Foi preciso diminuir a carga (total de energia que passa pelo sistema) em 10 mil MW. Mesmo que tenha capacidade para produzir 250 mil e naquele horário estivesse demandando 70 mil, é 15%. Mas como os equipamentos estão interligados, gera um efeito em cadeia. Depois, vai recompondo a carga, ou seja, religando. Esse processo demorou umas duas horas e meia. Como foi à noite, não foi problema de excesso de oferta, de pico de demanda.

Como ocorre um incêndio em um equipamento tão complexo, com tantas consequências previsíveis?

É imprevisível. Se acontecesse toda semana, todo mês, teria algo muito errado. Agora, Aneel e ONS vão analisar o problema do equipamento para criar um protocolo. Será verificado se o óleo estava velho, se faltou manutenção. Isso ocorre, mas não é falha do sistema, não é sinal de que está faltando investimento ou planejamento. Foi um acidente. Em qualquer lugar do mundo em que uma subestação de 500kV da qual saem várias linhas tivesse esse problema, teria o mesmo efeito. seja em Estados Unidos, China ou Alemanha. É um problema de física. O ministro disse que não foi um apagão, mas foi, sim. Mas não teve causa estrutural. O protocolo do ONS é preservar os equipamentos. É para isso que faz o corte na demanda.

O SIN precisa de uma atualização?

Claro que precisa, porque a oferta está crescendo à frente da demanda. É preciso investir, notadamente se é preciso atender a esses eletrointensivos, como datacenter e hidrogênio. Para 2029, a previsão do ONS é sair dos atuais 176 mil quilômetros para 184 mil quilômetros. Em cinco anos vamos aumentar 8 mil quilômetros em linhas de transmissão. É preciso ter um equipamento aqui, outro ali, mas isso está sendo analisado e está no planejamento.

Podemos dar adeus definitivo ao horário de verão?

A única coisa para sempre certa é a morte. O resto pode ser qualquer coisa. 

GPS DA ECONOMIA

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