sábado, 4 de outubro de 2025


04 de Outubro de 2025
MARCELO RECH

A chapa quente de Trump

Os gaúchos conhecem bem a aplicação do verbo em inglês to grill. Mas, nos EUA, grelhar serve também como expressão para apertar alguém, colocar o interlocutor na chapa quente, coisa que repórteres insistentes, comissões no Capitólio e o presidente Donald Trump manejam com destreza.

É para não ser grelhado que Lula - sabiamente, aliás - precisa preparar bem o terreno antes de um tête-à-tête com Trump, que coleciona cabeças penduradas nas paredes do Salão Oval, como a de Volodimir Zelensky, submetido a uma sessão de humilhação ao vivo. Ele também já grelhou o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, ao exibir, sem aviso, um vídeo para constrangê-lo, e o primeiro-ministro do Canadá, quando insistiu na anexação do vizinho.

Torrar Lula não seria difícil. Bastaria perguntar a ele se também considerou Alexandre de Moraes e o STF justos e apartidários quando rejeitaram, em 2018, o habeas corpus contra sua prisão por corrupção. E se aceitaria que ele, Trump, visitasse o Brasil para levar solidariedade a Jair Bolsonaro, em gesto idêntico ao de Lula em Buenos Aires, onde foi abraçar a ex-presidente Cristina Kirchner, também em prisão domiciliar, num ato de desprezo pela independência da Suprema Corte argentina. Lula poderia ter respostas para tudo, mas seria um pero que si, pero que no que o deixaria chamuscado.

Por ter telhado de vidro, Lula, calejado por décadas de experiência em salões internacionais, quer definir o campo e as condições menos desfavoráveis para um encontro presencial com Trump. Os inimigos internos de Lula adorariam vê-lo grelhado e com a cabeça exposta como troféu na Casa Branca, mas, para efeitos externos, o presidente brasileiro representa o Brasil. Uma humilhação a Lula é uma humilhação ao Brasil, como o foi para a Ucrânia e a África do Sul.

O Itamaraty trabalha para limpar a área e reduzir a margem de imprevistos potencialmente desastrosos, o que, em se tratando de Trump, é sempre uma temeridade. Uma primeira ligação telefônica e o ambiente intimista e descontraído de Mar-a-Lago seriam o ideal para Lula jogar conversa sobre o presidente dos EUA. Não seria a primeira vez que o brasileiro seduziria um republicano durão - George Bush filho e Lula se davam muito melhor do que gostaria a esquerda raiz tupiniquim.

Seja como for, o Itamaraty tem de se esforçar para deslocar a imagem de Lula do time de esquerdistas latino-americanos anacrônicos e antiamericanos, como Nicolás Maduro, da Venezuela, e Gustavo Petro, da Colômbia, e alinhá-lo aos contemporâneos e moderados Gabriel Boric, do Chile, e Cláudia Scheinbaum, do México. Mas é preciso também que a esquerda mais radical e os arroubos personalistas no STF não façam muita marola, ainda mais com um Donald Trump cada vez mais fora da casinha. _

MARCELO RECH

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